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20/10/2006
-
10h19
JOSÉ GERALDO COUTO
da Folha de S.Paulo
Depois de dois anos em São Paulo, Hermila (Hermila Guedes), de 21 anos, volta a Iguatu, no sertão do Ceará, com o filhinho no colo. Instala-se na casa da avó (Zezita Matos) e fica à espera do marido, também jovem, que deve vir de São Paulo para instalar na cidadezinha uma barraca de gravação de CDs.
Mas, se a protagonista se chama Hermila, por que o título do filme é "O Céu de Suely"? Responder a essa pergunta seria contar metade da história.
Basta dizer que Hermila é uma moça dividida entre os laços afetivos, arraigados em Iguatu, e o desejo de ganhar o grande mundo. Um ser entre as raízes e o céu sem limites. Essa tensão permanente entre o local e o global está presente no próprio ambiente --e em cada plano do filme, bem como em sua trilha sonora.
Já as primeiras imagens e sons sugerem essa dialética: numa textura de filme doméstico, vemos Hermila correndo e dançando feliz num descampado, enquanto ouvimos em "off" seu relato de amor ao marido Mateus, sobreposto à canção "Everything I Own", do Bread, em versão brasileira.
É uma espécie de clipe brega, mas brega de verdade, não o brega "cult", filtrado e chancelado por Caetano Veloso. Iguatu é isso: um desejo de entrar no mundo globalizado, nem que seja de modo desajeitado e pela porta dos fundos. Poucas vezes o cinema brasileiro retratou de modo tão preciso e sutil, sem discursos explicativos, nossa torta modernidade.
Assim como não julga seus personagens, Aïnouz não explica e não julga o ambiente em que vivem. Não faz análise, faz síntese --com um frescor altamente salutar num cinema de tradição tão discursiva como o nosso.
Se em "Madame Satã" a opressão social e racial se estampava no corpo e na alma do protagonista, aqui é o tema do deslocamento, do sonho de um lugar feliz, que se encarna no destino de Hermila.
Da Lapa carioca de 1940 ao sertão cearense do século 21, do insurrecto negro homossexual à sonhadora interiorana, mudaram o tema e o foco, mas o cinema de Karim Aïnouz continua sendo um jeito delicado, mas vigoroso, de dar a ver a interação entre o indivíduo e sua circunstância.
E assim como "Satã" revelou para o país o notável Lázaro Ramos, "O Céu de Suely" nos dá Hermila Guedes, atriz de uma vitalidade extraordinária, além de reafirmar o talento de João Miguel (de "Cinema, Aspirinas e Urubus"), aqui no papel de um motoboy de província.
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Karim Aïnouz retrata dilemas brasileiros em "O Céu de Suely"
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da Folha de S.Paulo
Depois de dois anos em São Paulo, Hermila (Hermila Guedes), de 21 anos, volta a Iguatu, no sertão do Ceará, com o filhinho no colo. Instala-se na casa da avó (Zezita Matos) e fica à espera do marido, também jovem, que deve vir de São Paulo para instalar na cidadezinha uma barraca de gravação de CDs.
Mas, se a protagonista se chama Hermila, por que o título do filme é "O Céu de Suely"? Responder a essa pergunta seria contar metade da história.
Basta dizer que Hermila é uma moça dividida entre os laços afetivos, arraigados em Iguatu, e o desejo de ganhar o grande mundo. Um ser entre as raízes e o céu sem limites. Essa tensão permanente entre o local e o global está presente no próprio ambiente --e em cada plano do filme, bem como em sua trilha sonora.
Já as primeiras imagens e sons sugerem essa dialética: numa textura de filme doméstico, vemos Hermila correndo e dançando feliz num descampado, enquanto ouvimos em "off" seu relato de amor ao marido Mateus, sobreposto à canção "Everything I Own", do Bread, em versão brasileira.
É uma espécie de clipe brega, mas brega de verdade, não o brega "cult", filtrado e chancelado por Caetano Veloso. Iguatu é isso: um desejo de entrar no mundo globalizado, nem que seja de modo desajeitado e pela porta dos fundos. Poucas vezes o cinema brasileiro retratou de modo tão preciso e sutil, sem discursos explicativos, nossa torta modernidade.
Assim como não julga seus personagens, Aïnouz não explica e não julga o ambiente em que vivem. Não faz análise, faz síntese --com um frescor altamente salutar num cinema de tradição tão discursiva como o nosso.
Se em "Madame Satã" a opressão social e racial se estampava no corpo e na alma do protagonista, aqui é o tema do deslocamento, do sonho de um lugar feliz, que se encarna no destino de Hermila.
Da Lapa carioca de 1940 ao sertão cearense do século 21, do insurrecto negro homossexual à sonhadora interiorana, mudaram o tema e o foco, mas o cinema de Karim Aïnouz continua sendo um jeito delicado, mas vigoroso, de dar a ver a interação entre o indivíduo e sua circunstância.
E assim como "Satã" revelou para o país o notável Lázaro Ramos, "O Céu de Suely" nos dá Hermila Guedes, atriz de uma vitalidade extraordinária, além de reafirmar o talento de João Miguel (de "Cinema, Aspirinas e Urubus"), aqui no papel de um motoboy de província.
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