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15/10/2006 - 10h07

Sistema eleitoral continua falho nos EUA

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CLAUDIA ANTUNES
Editora de Mundo da Folha de S.Paulo

Às vésperas de mais uma eleição nos Estados Unidos, as falhas no sistema de votação que ficaram evidentes na eleição de 2000 ainda não foram sanadas, afirma, em entrevista à Folha, o historiador Alexander Keyssar, da Escola Kennedy de Governo de Harvard.

Autor de "The Right to Vote, the Contested History of Democracy in the United States" (o direito de voto, a história disputada da democracia nos Estados Unidos), Keyssar foi um dos especialistas ouvidos nos debates promovidos pela Comissão Carter-Ford, formada após as denúncias de fraude na primeira eleição de George W. Bush para sugerir mudanças nos procedimentos eleitorais.

Embora o relatório da comissão tenha dado origem a uma nova lei, a maioria dos Estados não conseguiu implementar as reformas propostas, como a unificação e a digitalização de suas listas de eleitores. O nó do problema, segundo Keyssar, continua sendo a falta de um padrão nacional para conduzir as eleições, conseqüência do sistema federativo em que os Estados têm autonomia nessa questão. Abaixo, os principais trechos da entrevista.


FOLHA - Houve melhorias nos procedimentos de votação nos EUA depois das suspeitas de fraude de 2000?

ALEXANDER KEYSSAR - Muitas coisas deram errado em 2000. Uma foi o Colégio Eleitoral: Albert Gore teve mais votos e George W. Bush tornou-se presidente. Isso, claro, não se aplica às eleições de agora. As máquinas de votação funcionaram mal, mas, ao lado disso, o que se tornou visível é o fato de que não temos um sistema nacional ou um padrão nacional para conduzir uma eleição. Tudo fica a cargo dos Estados e dentro deles há sistemas diferentes. A partir desses problemas, foi criada uma comissão nacional, dirigida pelos ex-presidentes Jimmy Carter [1977-1981] e Gerald Ford [1974-1977], que fez uma série de recomendações ao Congresso.

FOLHA - A criação da comissão foi uma proposta do Congresso?

KEYSSAR - Não. Era uma comissão independente.

FOLHA - Não houve nenhuma iniciativa do Congresso ou do Executivo para lidar com os problemas de votação?

KEYSSAR - O Congresso não fez nada até que os deputados negros começaram a organizar audiências. Do Executivo também não partiu nenhuma proposta. A partir das recomendações da Comissão Carter-Ford, que foram bem moderadas, o Congresso aprovou em 2002 uma lei, ainda mais moderada. A comissão recomendou, por exemplo, que as eleições fossem realizadas em um feriado. Isso foi rejeitado. O resultado mais positivo é que a lei tornou obrigatória a aceitação do voto provisório --mesmo que o seu nome não esteja no registro de eleitores, você vota em separado, para checagem posterior.

FOLHA - Quais foram as outras medidas previstas na lei?

KEYSSAR - Basicamente, o oferecimento de verbas para os Estados comprarem novas máquinas de votação, desde que criassem um registro estadual único e digitalizado de eleitores. O que ficou claro em 2000 é que ninguém tinha controle das listas; os nomes desapareciam, era um caos completo. Mas muitos Estados encontraram dificuldades para unificar os seus registros e a maioria não o fez até hoje.

FOLHA - Quantos dos 50 Estados aderiram ao plano?

KEYSSAR - A maioria dos Estados disse que iria aderir, mas o processo não se desenvolveu bem. Muitos Estados correram para comprar máquinas eletrônicas novas, mas parte delas apresentou problemas de segurança. Em alguns Estados, há ações judiciais que impedem o uso das máquinas novas. O fato é que os Estados buscaram uma solução tecnológica rápida, em vez de olhar para o sistema como um todo. Outro problema é que não houve um bom treinamento das pessoas que vão trabalhar nos locais de votação. Não temos uma burocracia pública para organizar eleições.

FOLHA - Na eleição de 2004, então, a maioria dos problemas continuava?

KEYSSAR - A lei de 2002 permitia que as reformas fossem escalonadas. Em alguns Estados houve melhorias. A Flórida mudou suas leis eleitorais e criou um sistema bem melhor. Mas em Ohio houve confusão, e nem a implementação da lei teria resolvido alguns dos problemas lá, como a insuficiência de máquinas de votação.

FOLHA - Não caberia ao Departamento de Justiça lidar com essas questões?

KEYSSAR - O Departamento de Justiça só pode intervir nos Estados se houver violação a leis federais, como a Constituição ou a Lei do Direito de Voto, de 1965, recém-renovada. Parte do problema é que a Constituição não prevê o direito de voto.

FOLHA - Qual o peso do desenho dos distritos eleitorais no resultado das votações (o sistema americano é distrital, no qual cada cadeira na Câmara corresponde a um distrito e nele ganha o candidato que tiver a maioria simples dos votos)?

KEYSSAR - Em que medida um partido pode desenhar um distrito para favorecer o próprio partido ou o deputado que detém a cadeira? A resposta é que há espaço para isso, como ficou claro neste ano, quando a Suprema Corte aprovou, com uma exceção, a redistribuição dos distritos eleitorais no Texas [feita pelo Legislativo estadual de maioria republicana, em 2004]. O que se diz é que os candidatos escolhem os eleitores, e não o contrário.

FOLHA - E isso vai se repetir nas eleições deste ano, quando o Congresso está tão desgastado?

KEYSSAR - Hoje, das mais de 400 cadeiras em jogo, há provavelmente menos de cem que são competitivas.

FOLHA - O senhor costuma lembrar que, quando o presidente democrata Lyndon Johnson [1963-1969] assinou a Lei do Direito de Voto, ele sabia que seu partido perderia o apoio do sul dos EUA. Como essa medida afetou o panorama político do país?

KEYSSAR - Dos anos 1890 até o início dos 1960, os negros em geral não podiam votar no sul e a região tinha apenas um partido, o Democrata --que era ali o partido da supremacia branca. Quando a Lei do Direito de Voto foi aprovada com o apoio de alguns sulistas, como o próprio Johnson, garantindo aos negros o direito de voto, os sulistas brancos se transferiram em massa para o Partido Republicano. Hoje, 70% dos brancos no sul são republicanos, e a região quase toda vota no partido em eleições presidenciais.

FOLHA - A questão racial ainda é determinante nesse padrão, mais do que cultura ou classe, por exemplo?

KEYSSAR - Há uma divisão cultural, mas não acho que seja a única. A coalizão que mantém o Partido Republicano no poder hoje une os empresários, o grande e o pequeno capital, aos social-conservadores --e pode se romper por causa da questão da imigração. A coalizão é definida por linhas de classe e cultura, mas nessa última há uma subcorrente racial. Ninguém fica falando de raça, mas os republicanos descrevem os democratas como os políticos que vão aumentar os impostos para dar mais dinheiro para ajudar pessoas negras.

FOLHA - E quem o Partido Democrata representa?

KEYSSAR - O Partido Democrata, no auge do seu poder, era uma coalizão muito estranha de trabalhadores, profissionais liberais progressistas e grupos étnicos do norte com conservadores e racistas do sul. Essa coalizão acabou. Agora os democratas não sabem quem são.

FOLHA - Existe um movimento no sentido de nacionalizar os procedimentos de votação?

KEYSSAR - Há movimentos de base, ao lado de muita resistência do Congresso, sob o argumento da proteção dos direitos dos Estados. A emenda constitucional do direito de voto foi introduzida na Câmara várias vezes nos últimos cinco anos por Jesse Jackson Jr, deputado por Illinois. Não há nenhuma chance de ser aprovada.

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