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14/02/2007
-
09h31
DANIELA LORETO
da Folha Online
O acordo multilateral selado entre seis países --as duas Coréias, a Rússia, a China, o Japão e os EUA-- nesta terça-feira em Pequim foi facilitado pelas poucas restrições feitas ao governo de Pyongyang, disse à Folha Online, por telefone, Aidan Foster-Carter, 59, especialista em Sociologia e Coréia Moderna da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
O pacto prevê que o governo norte-coreano tome providências para suspender as atividades em seu principal reator nuclear em um prazo de 60 dias. Em troca, receberá 50 mil toneladas de combustível e ajuda econômica. Outras 950 mil toneladas serão enviadas ao país quando forem tomadas medidas mais amplas para deter o programa nuclear.
"O acordo não exige muito da Coréia do Norte. Mas estou feliz que tenha ocorrido um entendimento, porque qualquer acordo é melhor do que acordo nenhum", afirmou Carter.
Entre os pontos positivos da negociação, Carter cita o fechamento do principal reator nuclear da Coréia do Norte, Yongbyon, que é fonte de plutônio --material utilizado para a construção de bombas nucleares. "Ele deverá ser fechado permanentemente, e não apenas de forma temporária. Se isso de fato acontecer, será bastante positivo", afirma.
Ele elogia ainda a forma como o diálogo multilateral sobre a questão foi organizado. "Até então, as discussões entre seis partes, que ocorrem há mais de três anos, com a exceção de um período de um ano durante o qual ficaram suspensas, eram bastante caóticas. O processo agora está mais organizado, o que ajuda bastante", diz Carter.
Exigência
Para o especialista, o pacto peca por não exigir que Pyongyang deixe claro que tipo de armas e materiais nucleares possui. "O pior aspecto a respeito da Coréia do Norte é que eles possuem a bomba nuclear. O fato de o país ter conseguido realizar um teste nuclear representa uma grande falha da comunidade internacional", analisa.
Apesar das ressalvas, Carter não descarta o sucesso do acordo. "O anterior, de 1994, teve caráter bem mais bilateral. O multilateralismo funciona melhor, e deve manter a Coréia do Norte mais envolvida. Acredito que seja possível caminhar devagarinho".
Adiamento
Segundo Carter, há uma série de fatores importantes que não foram incluídos no novo acordo, e que parecem estar sendo adiados para serem discutidos posteriormente.
Os EUA suspeitam de que a Coréia do Norte possui dois programas nucleares. A principal razão para os desentendimentos entre ambos vem do fato de os EUA acusarem a Coréia do Norte de "trapacear", de possuir um segundo programa clandestino.
Há duas maneiras de se produzir uma bomba nuclear-- uma é através do uso de plutônio, e a outra por meio da utilização de urânio enriquecido.
"Em 2002, os EUA estavam muito preocupados a respeito do enriquecimento de urânio, por isso é estranho que tenham deixado isso de lado neste novo pacto", diz Carter.
O governo americano diz possuir evidências fortes de que a Coréia do Norte utiliza urânio enriquecido para a fabricação de armas nucleares, mas Pyongyang nega.
Apesar de não incluir os pontos principais, o estudioso vê com bons olhos o acordo
"Pyongyang tem 60 dias para fechar seu reator nuclear e receber a primeira recompensa de 50 toneladas. É um prazo curto. Sem isso, estaríamos sem qualquer perspectiva, em uma espécie de "limbo", quando estávamos quando a Coréia do Norte realizou o teste nuclear [em 9 de outubro último], causando forte condenação da ONU e da comunidade internacional. Ao menos agora, há um processo em andamento", afirma.
Demonstração de força
Para o estudioso britânico, o teste nuclear realizado em outubro foi "ambíguo", já que houve boatos de que ele teria falhado parcialmente. Segundo ele, a intenção norte-coreana com o teste era "demonstrar força" e ir ao diálogo em uma "posição melhor".
Carter diz ter dúvidas a respeito da real intenção do líder norte-coreano Kim Jong-Il, uma vez tendo obtido a bomba nuclear, se livrar dela algum dia. "O Estado norte-coreano é totalmente falido, é um país onde há muita miséria, cercado de países em pleno desenvolvimento, como o Japão, a Coréia do Sul e a China", diz.
Segundo ele, a decadência norte-coreana está ligada à insistência do país em se isolar e em colocar o Exército em primeiro lugar. "A Coréia do Norte está a cada dia mais fraca. Ter uma arma nuclear é uma maneira de manter ao menos um pouco de sua força".
Para Carter, Pyongyang pode ter problemas se mantiver a "velha crença" de que só uma bomba nuclear faz o país ser respeitado pelos seus vizinhos. "Nesse caso, talvez a única coisa que detenha [a Coréia no Norte] seja uma invasão, como ocorreu no Iraque", diz.
Ele lembra que há também um processo de sucessão no país. Jong-Il, que completa 65 anos em 2007, possui muitos filhos. A discussão a respeito de modernizar ou não o país, que vive uma monarquia comunista, deve se misturar com a disputa pela sucessão.
"Basicamente, a Coréia do Norte terá que fazer uma escolha entre se modernizar ou manter aquela velha mentalidade", diz Carter.
Papel da China
O estudioso diz acreditar em uma solução diplomática para a questão, e afirma que a o papel da China é fundamental no processo. "A China é importante, porque trocou de posição. Ela protegeu a Coréia do Norte por muito tempo, mas mudou principalmente após a realização do teste nuclear, ao qual o governo chinês se opunha com veemência".
Segundo ele, a Coréia do Norte precisa da China para, de certa forma, protegê-la, e também para fornecer combustível e alimentos.
Para Carter, é preciso levar também em conta as pressões internas, já que há "pessoas sensatas que desejam modernizar o país".
Segundo ele, no entanto, Jong-Il não é tão forte quanto seu pai era, e se baseia muito no Exército e nas opiniões de seus generais, que têm crenças antiquadas.
"Em um país de 22 milhões de pessoas, eles tem um Exército de mais de 1 milhão, é uma loucura", afirma.
"Regime paranóico"
Questionado a respeito da real ameaça representada pela Coréia do Norte, Carter afirma que se trata de um regime "fechado e paranóico", que teme ser alvo de ataques e que decidiu proteger-se munindo-se de "todo o tipo de arma", não apenas as nucleares, mas também armas químicas e biológicas, que Pyongyang "provavelmente possui".
"Eles temem ser atacados, mas não percebem que a maneira como se comportam faz com que esse risco se torne muito maior", afirma.
De acordo com o especialista, não se trata simplesmente de o governo norte-coreano usar ou não as armas que possui, mas também do risco de proliferação nuclear.
Os EUA acusam a Coréia do Norte de negociar armas nucleares com Irã e Paquistão.
"Eles vendem a quem bem querem, sem qualquer controle. Não acho que seriam tolos a ponto de vender diretamente a grupos como a [rede terrorista] Al Qaeda, mas isso pode acontecer de forma indireta. Por isso, é preocupante que possuam armas nucleares", diz.
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Pouca restrição facilitou acordo com Coréia do Norte, diz especialista
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da Folha Online
O acordo multilateral selado entre seis países --as duas Coréias, a Rússia, a China, o Japão e os EUA-- nesta terça-feira em Pequim foi facilitado pelas poucas restrições feitas ao governo de Pyongyang, disse à Folha Online, por telefone, Aidan Foster-Carter, 59, especialista em Sociologia e Coréia Moderna da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
O pacto prevê que o governo norte-coreano tome providências para suspender as atividades em seu principal reator nuclear em um prazo de 60 dias. Em troca, receberá 50 mil toneladas de combustível e ajuda econômica. Outras 950 mil toneladas serão enviadas ao país quando forem tomadas medidas mais amplas para deter o programa nuclear.
"O acordo não exige muito da Coréia do Norte. Mas estou feliz que tenha ocorrido um entendimento, porque qualquer acordo é melhor do que acordo nenhum", afirmou Carter.
Entre os pontos positivos da negociação, Carter cita o fechamento do principal reator nuclear da Coréia do Norte, Yongbyon, que é fonte de plutônio --material utilizado para a construção de bombas nucleares. "Ele deverá ser fechado permanentemente, e não apenas de forma temporária. Se isso de fato acontecer, será bastante positivo", afirma.
Ele elogia ainda a forma como o diálogo multilateral sobre a questão foi organizado. "Até então, as discussões entre seis partes, que ocorrem há mais de três anos, com a exceção de um período de um ano durante o qual ficaram suspensas, eram bastante caóticas. O processo agora está mais organizado, o que ajuda bastante", diz Carter.
Exigência
Para o especialista, o pacto peca por não exigir que Pyongyang deixe claro que tipo de armas e materiais nucleares possui. "O pior aspecto a respeito da Coréia do Norte é que eles possuem a bomba nuclear. O fato de o país ter conseguido realizar um teste nuclear representa uma grande falha da comunidade internacional", analisa.
Apesar das ressalvas, Carter não descarta o sucesso do acordo. "O anterior, de 1994, teve caráter bem mais bilateral. O multilateralismo funciona melhor, e deve manter a Coréia do Norte mais envolvida. Acredito que seja possível caminhar devagarinho".
Adiamento
Segundo Carter, há uma série de fatores importantes que não foram incluídos no novo acordo, e que parecem estar sendo adiados para serem discutidos posteriormente.
Os EUA suspeitam de que a Coréia do Norte possui dois programas nucleares. A principal razão para os desentendimentos entre ambos vem do fato de os EUA acusarem a Coréia do Norte de "trapacear", de possuir um segundo programa clandestino.
Há duas maneiras de se produzir uma bomba nuclear-- uma é através do uso de plutônio, e a outra por meio da utilização de urânio enriquecido.
"Em 2002, os EUA estavam muito preocupados a respeito do enriquecimento de urânio, por isso é estranho que tenham deixado isso de lado neste novo pacto", diz Carter.
O governo americano diz possuir evidências fortes de que a Coréia do Norte utiliza urânio enriquecido para a fabricação de armas nucleares, mas Pyongyang nega.
Apesar de não incluir os pontos principais, o estudioso vê com bons olhos o acordo
"Pyongyang tem 60 dias para fechar seu reator nuclear e receber a primeira recompensa de 50 toneladas. É um prazo curto. Sem isso, estaríamos sem qualquer perspectiva, em uma espécie de "limbo", quando estávamos quando a Coréia do Norte realizou o teste nuclear [em 9 de outubro último], causando forte condenação da ONU e da comunidade internacional. Ao menos agora, há um processo em andamento", afirma.
Demonstração de força
Para o estudioso britânico, o teste nuclear realizado em outubro foi "ambíguo", já que houve boatos de que ele teria falhado parcialmente. Segundo ele, a intenção norte-coreana com o teste era "demonstrar força" e ir ao diálogo em uma "posição melhor".
Carter diz ter dúvidas a respeito da real intenção do líder norte-coreano Kim Jong-Il, uma vez tendo obtido a bomba nuclear, se livrar dela algum dia. "O Estado norte-coreano é totalmente falido, é um país onde há muita miséria, cercado de países em pleno desenvolvimento, como o Japão, a Coréia do Sul e a China", diz.
Segundo ele, a decadência norte-coreana está ligada à insistência do país em se isolar e em colocar o Exército em primeiro lugar. "A Coréia do Norte está a cada dia mais fraca. Ter uma arma nuclear é uma maneira de manter ao menos um pouco de sua força".
Para Carter, Pyongyang pode ter problemas se mantiver a "velha crença" de que só uma bomba nuclear faz o país ser respeitado pelos seus vizinhos. "Nesse caso, talvez a única coisa que detenha [a Coréia no Norte] seja uma invasão, como ocorreu no Iraque", diz.
Ele lembra que há também um processo de sucessão no país. Jong-Il, que completa 65 anos em 2007, possui muitos filhos. A discussão a respeito de modernizar ou não o país, que vive uma monarquia comunista, deve se misturar com a disputa pela sucessão.
"Basicamente, a Coréia do Norte terá que fazer uma escolha entre se modernizar ou manter aquela velha mentalidade", diz Carter.
Papel da China
O estudioso diz acreditar em uma solução diplomática para a questão, e afirma que a o papel da China é fundamental no processo. "A China é importante, porque trocou de posição. Ela protegeu a Coréia do Norte por muito tempo, mas mudou principalmente após a realização do teste nuclear, ao qual o governo chinês se opunha com veemência".
Segundo ele, a Coréia do Norte precisa da China para, de certa forma, protegê-la, e também para fornecer combustível e alimentos.
Para Carter, é preciso levar também em conta as pressões internas, já que há "pessoas sensatas que desejam modernizar o país".
Segundo ele, no entanto, Jong-Il não é tão forte quanto seu pai era, e se baseia muito no Exército e nas opiniões de seus generais, que têm crenças antiquadas.
"Em um país de 22 milhões de pessoas, eles tem um Exército de mais de 1 milhão, é uma loucura", afirma.
"Regime paranóico"
Questionado a respeito da real ameaça representada pela Coréia do Norte, Carter afirma que se trata de um regime "fechado e paranóico", que teme ser alvo de ataques e que decidiu proteger-se munindo-se de "todo o tipo de arma", não apenas as nucleares, mas também armas químicas e biológicas, que Pyongyang "provavelmente possui".
"Eles temem ser atacados, mas não percebem que a maneira como se comportam faz com que esse risco se torne muito maior", afirma.
De acordo com o especialista, não se trata simplesmente de o governo norte-coreano usar ou não as armas que possui, mas também do risco de proliferação nuclear.
Os EUA acusam a Coréia do Norte de negociar armas nucleares com Irã e Paquistão.
"Eles vendem a quem bem querem, sem qualquer controle. Não acho que seriam tolos a ponto de vender diretamente a grupos como a [rede terrorista] Al Qaeda, mas isso pode acontecer de forma indireta. Por isso, é preocupante que possuam armas nucleares", diz.
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