Publicidade
Publicidade
23/02/2003
-
10h02
da Folha de S.Paulo
Mais de dez anos após a morte do mítico chefão colombiano do narcotráfico Pablo Escobar, o terror urbano que ele ajudou a espalhar pelo país entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90 parece assombrar novamente o país, desta vez pelas mãos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), principal guerrilha colombiana e "herdeiras" do negócio gerenciado por Escobar.
Os recentes atentados terroristas em grandes cidades atribuídos às Farc lembram a campanha de "guerra contra o Estado" promovida por Escobar, então considerado um dos criminosos mais procurados do mundo, para evitar uma possível extradição aos EUA. No dia 7 de fevereiro, um carro-bomba explodiu num clube de classe alta de Bogotá, matando ao menos 36 pessoas e ferindo mais de 170. Uma semana depois, outra explosão matou 18 pessoas em Neiva, ao sul do país, um dia antes de uma visita do presidente Álvaro Uribe à cidade.
Em sua época, Escobar, que liderava o cartel de Medellín, promoveu atentados a bomba, sequestros de personalidades e assassinatos de juízes e políticos, entre eles o senador Luis Galan, candidato favorito à eleição presidencial de 1990, alvejado por pistoleiros durante um comício.
"A aposta das Farc parece ser essa, repetir Pablo Escobar com uma guerra urbana de alta intensidade", disse à Folha Adam Isacson, coordenador do Projeto Colômbia do Centro de Política Internacional, de Washington.
"Suas demandas, porém, são muito mais difíceis de atender do que as de Escobar. Não é mais só uma questão de permitir que construam seu próprio cárcere", disse ele, em referência ao acordo que permitiu a ele se render em troca do fim das extradições e da permissão para que construísse sua própria prisão, de onde continuava a controlar seus negócios.
A ofensiva das Farc, que até o início do ano passado tinham sua atuação baseada principalmente nas áreas rurais do país, traz de volta ao dia-a-dia das classes média e alta das grandes cidades o medo do terror, que levou dezenas de milhares de pessoas a deixar o país na década passada.
"A situação é pior do que a dos anos 80, porque, além de a guerrilha ter hoje mais dinheiro do que tinha Pablo Escobar, a violência não é mais praticada por assassinos de aluguel contratados pelo cartel, mas por um verdadeiro Exército, muito bem armado", diz o cientista político Fernando Cepeda Ulloa, professor da Universidade Los Andes e ex-ministro de Governo (1986) e de Comunicações (1987-88).
Otty Patiño, ex-líder do grupo guerrilheiro M-19 que hoje dirige a organização Observatório para a Paz, vê algumas diferenças entre as duas situações. "Não estou seguro de que exista hoje uma estratégia clara das Farc, como tinha Escobar em 1989", diz ele, reintegrado à vida pública após um acordo de paz em 1990.
"Apesar de estarem se movendo para as cidades, as Farc ainda têm uma base rural e não têm a mesma penetração na política e no Judiciário que Pablo Escobar tinha nos anos 80", diz Patiño.
O M-19 foi responsável por uma das mais extraordinárias ações terroristas da história colombiana, em 1987, quando tomou o Palácio de Justiça, em Bogotá.
O cerco ao prédio terminou com a morte de mais de 70 pessoas, entre elas 11 juízes da Suprema Corte (incluindo o seu presidente) e a destruição total do edifício. Na época, o grupo foi acusado de ter atuado a mando do cartel de Medellín, para destruir processos de extradição de narcotraficantes, mas a ligação nunca foi provada e sempre foi negada pelos líderes do M-19.
Mudança de hábitos
A nova onda terrorista vem levando os colombianos a se adaptar à nova realidade. Segundo uma pesquisa divulgada na sexta-feira pelo jornal "El Tiempo", de Bogotá, 43% dos moradores da cidade dizem ter mudado seus hábitos após os últimos atentados, enquanto 29% dizem não se sentir seguros nem mesmo em suas casas ou escritórios. A venda de entradas de cinema caiu 28% desde o dia 7 de fevereiro, e a antes agitada vida noturna na elegante zona norte da cidade, onde ocorreu o atentado, viu seu movimento cair sensivelmente.
Para Adam Isacson, o efeito imediato dessa ofensiva terrorista é um aumento ao apoio à linha-dura apregoada pelo presidente Álvaro Uribe. "É a primeira vez que os colombianos médios estão sentindo o impacto desse conflito, por isso há muito mais apoio à linha-dura de Uribe", diz. "A esperança das Farc é que a opinião pública ache que essa estratégia não serve e volte a apoiar uma negociação", afirma.
Por enquanto, o governo mantém sua proposta de "guerra total" contra o grupo guerrilheiro terrorista. Após o atentado em Bogotá no dia 7, o presidente Uribe fez um apelo aos países vizinhos para que declarassem as Farc como terroristas, o que permitiria o bloqueio dos bens do grupo e a prisão de seus membros por esses países.
Até agora, Equador, Peru, Venezuela e Brasil não atenderam ao pedido de Uribe, o que levou o presidente a declarar que a Colômbia buscará os terroristas "onde quer que estejam".
Em entrevista à Folha, a ministra da Defesa, Marta Lucía Ramírez, disse crer que o fim da guerrilha possa estar próximo, como ocorreu com Escobar. "Possivelmente, tenhamos de ver mais terrorismo na Colômbia por algum tempo, mas sabemos que o fim desses grupos está próximo."
Leia mais
Brasil teme se tornar refúgio das Farc
Projeto antiterror ameaça jornalistas
Farc retomam terror urbano da era Pablo Escobar
ROGERIO WASSERMANNda Folha de S.Paulo
Mais de dez anos após a morte do mítico chefão colombiano do narcotráfico Pablo Escobar, o terror urbano que ele ajudou a espalhar pelo país entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90 parece assombrar novamente o país, desta vez pelas mãos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), principal guerrilha colombiana e "herdeiras" do negócio gerenciado por Escobar.
Os recentes atentados terroristas em grandes cidades atribuídos às Farc lembram a campanha de "guerra contra o Estado" promovida por Escobar, então considerado um dos criminosos mais procurados do mundo, para evitar uma possível extradição aos EUA. No dia 7 de fevereiro, um carro-bomba explodiu num clube de classe alta de Bogotá, matando ao menos 36 pessoas e ferindo mais de 170. Uma semana depois, outra explosão matou 18 pessoas em Neiva, ao sul do país, um dia antes de uma visita do presidente Álvaro Uribe à cidade.
Em sua época, Escobar, que liderava o cartel de Medellín, promoveu atentados a bomba, sequestros de personalidades e assassinatos de juízes e políticos, entre eles o senador Luis Galan, candidato favorito à eleição presidencial de 1990, alvejado por pistoleiros durante um comício.
"A aposta das Farc parece ser essa, repetir Pablo Escobar com uma guerra urbana de alta intensidade", disse à Folha Adam Isacson, coordenador do Projeto Colômbia do Centro de Política Internacional, de Washington.
"Suas demandas, porém, são muito mais difíceis de atender do que as de Escobar. Não é mais só uma questão de permitir que construam seu próprio cárcere", disse ele, em referência ao acordo que permitiu a ele se render em troca do fim das extradições e da permissão para que construísse sua própria prisão, de onde continuava a controlar seus negócios.
A ofensiva das Farc, que até o início do ano passado tinham sua atuação baseada principalmente nas áreas rurais do país, traz de volta ao dia-a-dia das classes média e alta das grandes cidades o medo do terror, que levou dezenas de milhares de pessoas a deixar o país na década passada.
"A situação é pior do que a dos anos 80, porque, além de a guerrilha ter hoje mais dinheiro do que tinha Pablo Escobar, a violência não é mais praticada por assassinos de aluguel contratados pelo cartel, mas por um verdadeiro Exército, muito bem armado", diz o cientista político Fernando Cepeda Ulloa, professor da Universidade Los Andes e ex-ministro de Governo (1986) e de Comunicações (1987-88).
Otty Patiño, ex-líder do grupo guerrilheiro M-19 que hoje dirige a organização Observatório para a Paz, vê algumas diferenças entre as duas situações. "Não estou seguro de que exista hoje uma estratégia clara das Farc, como tinha Escobar em 1989", diz ele, reintegrado à vida pública após um acordo de paz em 1990.
"Apesar de estarem se movendo para as cidades, as Farc ainda têm uma base rural e não têm a mesma penetração na política e no Judiciário que Pablo Escobar tinha nos anos 80", diz Patiño.
O M-19 foi responsável por uma das mais extraordinárias ações terroristas da história colombiana, em 1987, quando tomou o Palácio de Justiça, em Bogotá.
O cerco ao prédio terminou com a morte de mais de 70 pessoas, entre elas 11 juízes da Suprema Corte (incluindo o seu presidente) e a destruição total do edifício. Na época, o grupo foi acusado de ter atuado a mando do cartel de Medellín, para destruir processos de extradição de narcotraficantes, mas a ligação nunca foi provada e sempre foi negada pelos líderes do M-19.
Mudança de hábitos
A nova onda terrorista vem levando os colombianos a se adaptar à nova realidade. Segundo uma pesquisa divulgada na sexta-feira pelo jornal "El Tiempo", de Bogotá, 43% dos moradores da cidade dizem ter mudado seus hábitos após os últimos atentados, enquanto 29% dizem não se sentir seguros nem mesmo em suas casas ou escritórios. A venda de entradas de cinema caiu 28% desde o dia 7 de fevereiro, e a antes agitada vida noturna na elegante zona norte da cidade, onde ocorreu o atentado, viu seu movimento cair sensivelmente.
Para Adam Isacson, o efeito imediato dessa ofensiva terrorista é um aumento ao apoio à linha-dura apregoada pelo presidente Álvaro Uribe. "É a primeira vez que os colombianos médios estão sentindo o impacto desse conflito, por isso há muito mais apoio à linha-dura de Uribe", diz. "A esperança das Farc é que a opinião pública ache que essa estratégia não serve e volte a apoiar uma negociação", afirma.
Por enquanto, o governo mantém sua proposta de "guerra total" contra o grupo guerrilheiro terrorista. Após o atentado em Bogotá no dia 7, o presidente Uribe fez um apelo aos países vizinhos para que declarassem as Farc como terroristas, o que permitiria o bloqueio dos bens do grupo e a prisão de seus membros por esses países.
Até agora, Equador, Peru, Venezuela e Brasil não atenderam ao pedido de Uribe, o que levou o presidente a declarar que a Colômbia buscará os terroristas "onde quer que estejam".
Em entrevista à Folha, a ministra da Defesa, Marta Lucía Ramírez, disse crer que o fim da guerrilha possa estar próximo, como ocorreu com Escobar. "Possivelmente, tenhamos de ver mais terrorismo na Colômbia por algum tempo, mas sabemos que o fim desses grupos está próximo."
Leia mais
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alvo de piadas, Barron Trump se adapta à vida de filho do presidente
- Facções terroristas recrutam jovens em campos de refugiados
- Trabalhadores impulsionam oposição do setor de tecnologia a Donald Trump
- Atentado contra Suprema Corte do Afeganistão mata 19 e fere 41
- Regime sírio enforcou até 13 mil oponentes em prisão, diz ONG
+ Comentadas
- Parlamento de Israel regulariza assentamentos ilegais na Cisjordânia
- Após difamação por foto com Merkel, refugiado sírio processa Facebook
+ EnviadasÍndice