Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
07/12/2003 - 09h03

Democracia fracassa no espaço soviético

Publicidade

MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

A deposição do ex-presidente da Geórgia Eduard Shevardnadze em decorrência de uma revolta popular, maciços protestos contra o presidente da Lituânia, Rolandas Paksas, acusado de corrupção, a mão-de-ferro com que o presidente Vladimir Putin controla a "democracia" russa, e as ruidosas manifestações da população da Moldova contra seu presidente, Vladimir Voronin, e contra a presença de tropas russas em seu território demonstram a precariedade da tentativa de democratização das ex-repúblicas soviéticas após o final da URSS.

De acordo com especialistas consultados pela Folha, nenhum dos sistemas existentes nos 15 países surgidos desde o final da Guerra Fria na região pode ser considerado verdadeiramente democrático. "Indubitavelmente, a democratização ainda não ocorreu. Há diversas razões para essa constatação, porém as principais são a ausência de tradições democráticas em sua sociedade e a mentalidade soviética da população da região", analisou o russo Alexander Babyonyshev, da Universidade Harvard (EUA).

Com isso, sem o jugo do poder central soviético, a região se transformou num barril de pólvora, no qual os direitos humanos mais básicos são desrespeitados de forma generalizada, de acordo com a Anistia Internacional. O caso mais grave, para Babyonyshev, é o do Turcomenistão. "O presidente [Saparmurat] Niyazov, que comandava o Partido Comunista, goza de poderes absolutos e vitalícios e não permite a existência de uma oposição organizada."

Além do Turcomenistão, as outras cinco ex-repúblicas soviéticas muçulmanas atravessam graves problemas sociopolíticos. "O maior desafio que têm esses países é o da sucessão de seus líderes, já que, para manter-se no poder, eles não construíram as instituições necessárias para que uma transição pacífica pudesse ocorrer. Assim, todos tornaram-se, na prática, governantes vitalícios", explicou John Schoeberlein, diretor do Programa sobre a Ásia Central e o Cáucaso, da Universidade Harvard (EUA).

No Azerbaijão, por exemplo, o atual presidente é Ilham Aliev, filho do ex-presidente Geidar Aliev, que se encontra hospitalizado nos EUA atualmente. Sua eleição, com cerca de 80% dos votos, foi considerada fraudulenta por observadores internacionais. Todavia, "talvez por conta de o país ser rico em petróleo", segundo o cientista político armênio Asbed Kotchikian, tanto a Rússia quanto os EUA apoiaram sua eleição.

Presença americana

O Uzbequistão, aliado dos EUA --de quem recebe cerca de US$ 500 milhões por ano, por conta de uma base aérea americana em seu território, que teve a anuência de Moscou para ser construída-- e o Tadjiquistão, no qual a Rússia tem forte presença militar, violam gravemente os direitos humanos e das minorias. E a presença dos EUA na região, intensificada após o 11 de Setembro, é aceita pelos russos, mas não lhes agrada.

A queda de Shevardnadze ilustrou o descontentamento popular existente nas ex-repúblicas caucasianas. Não há oposição organizada nem na Armênia nem no Azerbaijão, e eleições recentes também foram consideradas fraudulentas por observadores internacionais nos dois países. Ademais, ambos estão tecnicamente em guerra, disputando o controle do encrave de Nagorno-Karabakh.

Os novos líderes políticos acusam a Rússia de fomentar o separatismo da Abkházia e da Ossétia do Sul, fomentando uma guerra civil que matou centenas de pessoas na década passada. Além disso, a exemplo da maioria das outras ex-repúblicas, a corrupção é um problema endêmico.

Na Moldova, a população exige a saída dos 1.600 soldados russos que ainda vivem na Transnítria, região de numerosa população de origem russa. Em 1999, os russos prometeram deixar o país até o final deste ano. Recentemente, contudo, disseram que só poderão concluir a desmilitarização da região em 2020, gerando a ira da população moldávia e desapontando a comunidade internacional.

"Além disso, a população da Moldova está cansada de seu presidente, um ex-comunista que não quer deixar o poder de jeito nenhum", afirmou Babyonyshev.

A Rússia e a Ucrânia têm uma relação delicada. Maiores herdeiros da URSS, os dois países ainda têm problemas relacionados à minoria russa que vive na Criméia e ao arsenal militar soviético, mas nutrem laços comerciais bastante estreitos. Belarus, por sua vez, é a ex-república soviética mais próxima da Rússia, e uma eventual união entre os dois países não é descartada.

Ante esse quadro sombrio no que se refere à democracia, os três Estados bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia, que entrarão na União Européia em 2004) parecem ser exceções. "Tradicionalmente, eles sempre foram mais próximos à Europa, o que facilitou a transição. Mas ainda há graves violações aos direitos das minorias no três países", disse Babyonyshev.

Mesmo assim, a população lituana vem fazendo protestos acalorados contra o presidente, acusado de abuso de poder e de corrupção. Paksas já afirmou, contudo, que não deixará o poder mesmo que sofra um impeachment.

Leia mais
  • Rússia vai às urnas para fortalecer Putin
  • Ex-repúblicas da URSS ainda dependem da Rússia
  • Cáucaso e Ásia Central são instáveis
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página