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27/12/2003
-
12h35
MICHEL GORDON
Especial para a Folha Online
Do barulho ensurdecedor do silêncio, disso recordo-me perfeitamente. Também me chamou a atenção o pequeno número de turistas diante da maravilha que se agigantava diante de mim, quando o sol acariciava suas paredes, contornando seus volumes e deixando a mostra a nudez de suas estruturas.
Conquanto fosse inverno e um vento forte trouxesse a areia e o frio deserto, o vento estacionava do lado de fora das muralhas de modo que em seu interior, nada se ouvia, nem mesmo o zumbir de uma mosca. Das tantas que havia do lado de fora, na cidade nova, nenhuma ousava invadir o templo do silêncio, o local de pura contemplação. Tratava-se de Arg e Bam, ou cidade velha de Bam, no sudeste do Irã, entre as cidades de Zahedan, na fronteira com o Paquistão e Kerman, capital da Província de mesmo nome.
Bam, a fortaleza do silêncio, um retiro para o espírito, não existe mais. A natureza impingiu seu maior castigo à cidade provavelmente fundada no período Sassânida (224-637). Algumas de suas estruturas eram do tempo das cruzadas, mas a maior parte de suas casas datava do período Sefévida (1502-1722), o período dos Xás da Pérsia.
No século 18 havia cerca de 10 mil pessoas espalhadas pelos seus seis quilômetros quadrados, mas então ela caiu diante dos afegãos, que cercaram e sitiaram todas as cidades do sudeste do Irã, até a capital Isfahan, dando início ao período conhecido como Ashrafida, a dinastia de Ashraf, o afegão. Desde então, a não ser por um curto período em 1810, a cidade jamais foi novamente habitada.
A cidade velha ficava a um quilômetro e meio do centro da cidade nova de Bam, também assolada pelo trágico terremoto de ontem, e duzentos quilômetros de Kerman. Parti de Kerman num táxi com mais sete pessoas, numa viagem alucinante. O taxista pisou fundo e a viagem durou cerca de uma hora, sendo que nesse meio tempo, ele teve oportunidade de nos oferecer chá com biscoitos, seguindo a tradicional cortesia iraniana.
Uma vez na cidade velha, as ruas eram todas suas. Podia-se seguir o caminho que se desejasse por entre as vielas, as escadas e os escombros das casas abandonadas, mas a melhor vista era sobre as 30 torres das muralhas do século 9. A cidadela continha uma enorme fortificação do século 17, conhecida como Chahar Fasl (ou Quatro Estações) e a antiga casa do governador. Desta, podia-se admirar o exterior da cidade, o deserto e o oásis.
Agora, porém, as portas da cidade velha ruíram. O silêncio não pode mais ser ouvido, deixando-se calar pelos gritos de dor e de perda trazidos pelo vento, daqueles que permaneceram para assistir o crepúsculo de Arg e Bam.
Michel Gordon, 29, é fotógrafo e viajou para o Irã em 2001
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Artigo: O silêncio em Bam
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Especial para a Folha Online
Do barulho ensurdecedor do silêncio, disso recordo-me perfeitamente. Também me chamou a atenção o pequeno número de turistas diante da maravilha que se agigantava diante de mim, quando o sol acariciava suas paredes, contornando seus volumes e deixando a mostra a nudez de suas estruturas.
Conquanto fosse inverno e um vento forte trouxesse a areia e o frio deserto, o vento estacionava do lado de fora das muralhas de modo que em seu interior, nada se ouvia, nem mesmo o zumbir de uma mosca. Das tantas que havia do lado de fora, na cidade nova, nenhuma ousava invadir o templo do silêncio, o local de pura contemplação. Tratava-se de Arg e Bam, ou cidade velha de Bam, no sudeste do Irã, entre as cidades de Zahedan, na fronteira com o Paquistão e Kerman, capital da Província de mesmo nome.
Bam, a fortaleza do silêncio, um retiro para o espírito, não existe mais. A natureza impingiu seu maior castigo à cidade provavelmente fundada no período Sassânida (224-637). Algumas de suas estruturas eram do tempo das cruzadas, mas a maior parte de suas casas datava do período Sefévida (1502-1722), o período dos Xás da Pérsia.
No século 18 havia cerca de 10 mil pessoas espalhadas pelos seus seis quilômetros quadrados, mas então ela caiu diante dos afegãos, que cercaram e sitiaram todas as cidades do sudeste do Irã, até a capital Isfahan, dando início ao período conhecido como Ashrafida, a dinastia de Ashraf, o afegão. Desde então, a não ser por um curto período em 1810, a cidade jamais foi novamente habitada.
A cidade velha ficava a um quilômetro e meio do centro da cidade nova de Bam, também assolada pelo trágico terremoto de ontem, e duzentos quilômetros de Kerman. Parti de Kerman num táxi com mais sete pessoas, numa viagem alucinante. O taxista pisou fundo e a viagem durou cerca de uma hora, sendo que nesse meio tempo, ele teve oportunidade de nos oferecer chá com biscoitos, seguindo a tradicional cortesia iraniana.
Uma vez na cidade velha, as ruas eram todas suas. Podia-se seguir o caminho que se desejasse por entre as vielas, as escadas e os escombros das casas abandonadas, mas a melhor vista era sobre as 30 torres das muralhas do século 9. A cidadela continha uma enorme fortificação do século 17, conhecida como Chahar Fasl (ou Quatro Estações) e a antiga casa do governador. Desta, podia-se admirar o exterior da cidade, o deserto e o oásis.
Agora, porém, as portas da cidade velha ruíram. O silêncio não pode mais ser ouvido, deixando-se calar pelos gritos de dor e de perda trazidos pelo vento, daqueles que permaneceram para assistir o crepúsculo de Arg e Bam.
Michel Gordon, 29, é fotógrafo e viajou para o Irã em 2001
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