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15/06/2004 - 11h05

Entrevista: ONG quer punição ou perdão total a torturas no Iraque

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CLARICE SPITZ
da Folha Online

Após a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) ter divulgado na semana passada um relatório no qual faz críticas contundentes à política de segurança do governo do presidente George W. Bush no Iraque, a ONG quer a punição ou o perdão para os responsáveis pelos abusos em Abu Ghraib [prisão perto de Bagdá, capital iraquiana].

Nas 38 páginas do relatório chamado de "Caminho para Abu Ghraib" a HRW acusa o governo Bush de ter permitido a tortura contra presos iraquianos em Abu Ghraib e no Afeganistão, de ignorar as regras de direito internacional quanto ao tratamento de presos e até de encobrir casos de abuso.

O advogado americano Reed Brody, 50, responsável pela elaboração do relatório da HRW e que já atuou em casos como o do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e do indiciamento no Senegal do ex-ditador do Chade Hissène Habré, diz que HRW a organização condena a administração americana no Iraque e pede a punição de todos os responsáveis pelos atos de tortura, e não apenas de soldados que receberam ordens.

Em entrevista à Folha Online, por e-mail, Brody reiterou as acusações contra o governo Bush e disse que "é preciso responsabilizar aqueles que deram as ordens para os atos de tortura em Abu Ghraib ou perdoar todos estes abusos".

Folha Online - Quais são as expectativas do sr. após a divulgação do relatório?

Brody - A administração Bush precisa provar que a tortura e os maus-tratos contra presos sob custódia americana não eram de fato uma política do governo americano. É preciso que a administração Bush torne públicos todos os documentos relevantes, como as diretrizes políticas e as regras de interrogatório, que ainda são secretas. É preciso que sejam apresentados detalhes das providências que estão sendo tomadas para assegurar que as práticas de tortura não continuam. E é preciso processar não apenas os soldados rasos, mas responsabilizar aqueles que deram as ordens ou perdoar todo estes abusos.


Folha Online - O presidente Bush negou que o governo dos EUA tenha responsabilidade sobre os abusos contra iraquianos na prisão de Abu Ghraib. O que a HRW têm a dizer quanto a isso?

Brody - A tortura e os maus-tratos aos presos iraquianos na prisão de Abu Ghraib foram o resultado da decisão da administração Bush de ignorar o direito internacional, deixar de lado a Convenção de Genebra [1949] e aprovar métodos coercitivos que implicaram dor e humilhação aos presos para "amaciá-los" para interrogatórios. Isto foi seguido por dois anos em que os EUA ignoraram os abusos ou mesmo acobertaram relatórios de tortura de presos no Afeganistão e no Iraque. Esses elementos apontam para uma política oficial de tortura e tratamento degradante, cruel e desumano.

Folha Online - Desde quando o governo de Bush tem conhecimento dos abusos e tortura cometidos no Iraque?

Brody - De acordo com os relatórios que apontavam uso de tortura sistemática e tratamento degradante no Afeganistão, incluindo a morte de quatro ou talvez cinco presos sob custódia americana, os EUA foram repetidamente avisados sobre abusos no Iraque. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) escreveu para o governo dos EUA em maio de 2003 e depois em julho de 2003 relatando centenas de casos de abuso. Em 2003, o então enviado especial da ONU (Organização das Nações Unidas) ao Iraque, Sérgio Vieira de Mello [morto em agosto de 2003 em um ataque à sede da ONU em Bagdá], também expressou sua preocupação sobre o tratamento dado aos presos junto ao chefe da administração americana no Iraque, Paul Bremer.

Folha Online - Como foi feito o relatório "Caminho para Abu Ghraib"?

Brody - Nós examinamos as declarações da administração Bush sob a ótica do direito internacional e a consultoria legal que o presidente estava recebendo, inclusive memorandos que vieram à tona. Nós também fizemos um levantamento no Afeganistão e no Iraque nos últimos dois anos e entrevistamos uma dúzia de presos que foram libertados da prisão de Guantánamo, em Cuba.

Folha Online - Quais são as diferenças entre Abu Ghraib e Guantánamo?

Brody - Nós não sabemos ainda. Os EUA têm um controle cuidadoso sobre informações de prisioneiros mantidos em Guantánamo, impedindo o contato deles com o mundo externo. Nós tivemos acesso apenas a presos soltos sob custódia americana, que descreveram tratamento degradante, surras, alguns sofreram humilhação sexual. Mesmo que nós não tenhamos informação sobre o nível dos abusos de Abu Ghraib, há muito a ser aprendido. É preciso lembrar que a administração Bush reconhece que a Convenção de Genebra se aplica ao Iraque, mas diz que não se aplica aos presos da Al Qaeda em Guantánamo, então, isso significa que técnicas cruéis eram permitidas lá.

Folha Online - O sr. acha que as eleições americanas serão influenciadas pelo escândalo de fotos de Abu Ghraib?

Brody - É possível. A maioria dos americanos ficou chocada e se sentiu repugnada com as fotos. Como conseqüência dos ataques do 11 de Setembro, nós ouvimos que políticas duras eram necessárias para derrotar o terrorismo. No entanto, este escândalo maculou este esforço. De fato, cada nova foto de soldados americanos humilhando um iraquiano pode ser considerada um pôster de recrutas da Al Qaeda [rede terrorista islâmica liderada por Osama bin Laden]. Políticas adotadas para fazer os EUA mais seguros contra o terrorismo tornaram o país de fato mais vulnerável.

Folha Online - O ministro da Justiça do Iraque, Malik al Hassan, disse que a pena de morte pode voltar ao Iraque e que o ex-ditador Saddam Hussein poderia ser um dos primeiros a receber tal a punição. Qual a opinião do sr. a respeito desta possibilidade?

Brody - Poucas pessoas merecem um tribunal e punição como Saddam Hussein, mas a corte que foi estabelecida parece uma corte americana com cara de iraquiana.

Folha Online - Os críticos do senador democrata e presidenciável John Kerry têm dito que ele não se diferencia muito de Bush no que diz respeito à política de segurança. O sr. acha que se Kerry vencesse as eleição presidencial americana deste ano haveria alguma mudança na política de segurança dos EUA?

Brody - Nós não somos uma organização partidária. Nós pedimos a Kerry, assim como a Bush, que volte os EUA para um posição respeitável para o direito internacional.

Especial
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