Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
17/02/2005 - 07h01

Família de brasileiro tenta manter rotina após 28 dias de seqüestro

Publicidade

JANAINA LAGE
da Folha Online, no Rio

O seqüestro do engenheiro João José de Vasconcellos Jr., no Iraque, completa no próximo sábado 30 dias. Neste período, a família Vasconcellos renova diariamente a esperança de obter contato, tenta tocar a vida adiante e imagina como o brasileiro deve estar reagindo ao cativeiro.

A mulher do engenheiro, a psicóloga Tereza Vasconcellos, afirma que ele está vivo e que, apesar da falta de notícias, nem a família nem a Odebrecht obtiveram qualquer evidência contrária. "O João não morreu, não tem nada que prove que ele está morto. Resolvi reservar minhas energias porque não sei o que vai acontecer daqui para frente", disse.

Enquanto não chegam notícias, Tereza afirma que sua vida ficou em suspenso. Ela interrompeu o trabalho e os planos. A psicóloga pretendia viajar com o marido para a Disney, de acordo com a promessa que ele havia feito aos filhos.

À espera de notícias, a família diz acordar muito cedo para acompanhar o fuso horário do Iraque --Bagdá está hoje cinco horas na frente do horário de Brasília.

"Minha energia tem um limite durante o dia, à tarde estou um lixo. Acordo com esperança, funciono bem pela manhã, mas quando chega a tarde sei que já é de noite no Iraque e o dia termina sem notícias. Fico mal-humorada, minha memória falha, acho que são sintomas do estresse", diz Tereza Vasconcellos, mulher do engenheiro.

Tereza diz ter refletido muito sobre como o engenheiro poderia estar lidando com a situação. Para ela, a experiência do marido de se adaptar rapidamente a diferentes hábitos e costumes --durante 26 anos de casamento, ele se mudou 23 vezes para trabalhar-- pode estar contribuindo favoravelmente.

"Acredito que ele deve estar levando isso bem, o que me preocupa é a grande frustração que ele deve estar sentindo por não ter conseguido rever a família conforme o planejado. Ele estava contando os dias", afirma.

Durante a entrevista, Tereza contou estar com a mesma roupa que usava no dia em que recebeu a notícia. Desde então, ela diz ter tido resistência em usá-la novamente. "Hoje [ontem, quarta] eu falei para mim mesma, vou vestir essa roupa. Quem sabe ela não tem um efeito contrário? Preciso vencer etapas", disse.

"O que estou vivendo vai fazer uma marca na minha vida, ainda não sei como ela vai ser. É numa situação limite que você descobre a sua essência, que realmente a sua força existe", disse Tereza Vasconcellos.

Apesar da proximidade, Tereza diz ter evitado conversar com outros funcionários da Odebrecht que trabalhavam junto com Vasconcellos no Iraque. "Nós evitamos porque no começo acontecia de a gente ter que consolar as outras pessoas", afirmou Tereza.

Conhecer o Iraque

Já o filho mais velho, Rodrigo Vasconcellos, procura se manter otimista. Nem mesmo o trauma da falta de notícias ou de imagens do pai conseguiu demover o estudante da idéia de conhecer o Iraque.

Na entrevista, o filho do engenheiro manifestou vontade de conhecer o país onde seu pai foi seqüestrado durante o trajeto para o aeroporto. "Cheguei a pedir para visitá-lo, mas meu pai sempre dizia que era melhor esperar a troca de governo", disse Rodrigo.

O estudante chegava até mesmo a brincar com o pai, perguntando se a construtora não precisa de ninguém da "área de informática". Rodrigo está no último ano da faculdade de ciência da computação.

A curiosidade de Rodrigo em relação ao Iraque foi estimulada pelas imagens, fotos e hábitos apresentados por Vasconcellos durante os 12 meses que o engenheiro trabalhou em obras no país.

Para a família, o seqüestro foi uma obra do azar. "Ele estava no lugar errado, na hora errada, no momento errado", disse Tereza.

Uma das hipóteses levantadas pela família para o seqüestro foi a proximidade, à época, das eleições no Iraque, período em que os estrangeiros se tornaram mais visados pelos grupos radicais. "Acredito que eles estejam decepcionados por ele ser brasileiro", afirmou.

"Nômade"

O Iraque não foi o primeiro país no qual Vasconcellos morou. Ele já tinha trabalhado no Chile, Colômbia, Venezuela, Uruguai, Peru, Equador e Itália desde que se tornou funcionário da construtora, há 20 anos. O engenheiro chegou a apresentar um projeto no Equador e receber convite para tocar a obra, mas preferiu aceitar o convite para morar no Iraque.

O ritmo de viagens era tão intenso que ao chegar em casa, Vasconcellos tinha dificuldades em chegar em casa. "Ele ficava completamente perdido, saía da garagem e não sabia onde era o elevador, quando chegava no andar errava a porta de casa", conta Rodrigo.

A família chegou a instalar um pequeno escritório na sala de estar, que permanece à espera de Vasconcellos. O engenheiro gostava de ficar na sala para acompanhar quem entrava e saía da casa, quem acordava. "Ele gosta de participar. Quando chegava, reunia todo mundo e levava para viajar, assim todos tinham um horário em comum", explica Tereza.

Namoro virtual

Para suprir as ausências prolongadas, o engenheiro costumava lançar mão de recursos tecnológicos. "A gente namorava pela internet. Com uma câmera, às vezes eu o via em reunião. Embora não ouvisse nada, ficava feliz em vê-lo. Às vezes ele chegava a deixar a câmera ligada apenas para que a gente visse ele dormindo", conta Tereza.

Quando voltou ao Iraque em janeiro, Vasconcellos deveria apenas fazer ajustes finais na obra de construção de uma termelétrica. Antes, ele já havia trabalhado no país na construção de linhas de transmissão.

Segundo Tereza, o clima tenso no Iraque nunca chegou a contagiar o engenheiro. Antes do seqüestro, o principal receio da esposa de Vasconcellos era de que ele sofresse um acidente de avião, diante do grande número de viagens. Além de viver muito envolvido com o trabalho, Tereza conta que a empresa criava um ambiente praticamente familiar para os funcionários.

"Quando estamos instalados em alguma obra, as pessoas que trabalham ali se unem muito, vira tio, tia. Algumas pessoas tiveram filhos que você viu nascer e que cresceram junto com os seus filhos. Esse contato se mantém mesmo que você se separe depois", disse.

Torcedor do Fluminense, Vasconcellos costumava levar camisas da seleção brasileira para presentear amigos no Iraque. Durante a estadia, chegou a organizar uma feijoada com os colegas de trabalho. O gosto pela culinária o levou até a começar a tomar um medicamento para combater o açúcar elevado e continuar a ingerir doces.

Leia mais
  • Manifestação em SP marca 1 mês do captura de engenheiro no Iraque

    Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre o seqüestro do brasileiro no Iraque
  • Leia mais notícias no especial Iraque sob Tutela
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página