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05/03/2005 - 08h00

Para professor alemão, Holocausto ficará na memória por séculos

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CLARICE SPITZ
da Folha Online

Depois de 60 anos desde que os últimos prisioneiros foram libertados de Auschwitz, campo de concentração na Polônia, o Holocausto continua sendo um assunto que causa mal-estar a alemães e judeus e, uma declaração do diretor do Museu Judaico em Berlim, Michael Blumenthal, acirrou ainda mais a questão.

Em entrevista à agência de notícias alemã Deutsche Welle em janeiro último, Blumenthal disse que a relação entre judeus e não-judeus nunca foi de igual para igual na Alemanha. "Será que vai chegar um dia em que um não judeu alemão vai encarar um judeu alemão 100% como pessoa?", questionou.

Divulgação
O professor Benjamin Ortmeyer
Mas a polêmica frase tem seguidores. Para o professor alemão [não-judeu] Benjamin Ortmeyer, 52, da Universidade Johann Wolfgang Goethe, que se dedica há 28 anos a manter viva a memória do anti-semitismo, o Holocausto não pode ser esquecido pois é um "escárnio que deve durar ainda mil anos". "Estou de acordo e acho que ele foi até amável demais", disse em entrevista à Folha Online, por e-mail, sobre a declaração de Blumenthal.

Nesta semana, o alemão Ernst Zundel, 65, foi deportado do Canadá para a Alemanha pelo fato de ter negado a existência do Holocausto. Zundel, que é acusado de ódio racial, pode ser condenado a até cinco anos de reclusão ou multa em dinheiro na Alemanha.

Ortmeyer diz que o renascimento do nacionalismo alemão desde a unificação do país (1990) trouxe novo fôlego ao anti-semitismo e não exime a população comum alemã da responsabilidade pelos crimes nazistas.

Leia abaixo íntegra da entrevista concedida à Folha Online:

Folha Online - O sr. concorda com a declaração do diretor do Museu Judaico em Berlim, Michael Blumenthal, de que os alemães ainda não vêem os judeus 100% como pessoa?

Benjamin Ortmeyer - Estou de acordo e acho que ele foi até amável demais. É um grande tema e uma história muito comprida. Os chamados "grandes alemães", como por exemplo, Martinho Lutero [um dos reformadores do Protestantismo que viveu entre 1483-1546], eram instigadores fervorosos da aniquilação dos judeus. A história da maioria dos judeus na Alemanha está cheia de rapinas e homicídios. E a história não terminou, mas em Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Belzec, Sobibor, Majdanek e Chelmo [campos de concentração nazistas] se fez um escárnio alemão sem precedentes para ao menos mil anos.

Folha Online - Guerras de ódio étnico na ex-Iugoslávia e em Ruanda [ambas na década de 90] e manifestações de neonazismo na Europa são indicativos de que a xenofobia e o anti-semitismo permanecem vivos. O sr. acha que o Holocausto foi suficientemente lembrado?

Ortmeyer - Em uma palavra, não. Creio que é imprescindível saber muito sobre o nazi-fascismo, suas origens, seu desenvolvimento e seus resultados. Mas para uma avaliação acertada de um conflito atual, qualquer que seja, é preciso estudá-lo e analisá-lo de forma detalhada e científica. Por outro lado, também é certo que o estudo e conhecimento profundo da chegada ao poder do imperialismo alemão e do nazi-fascismo, de seus crimes, sem dúvida, facilita a compreensão de mecanismos imperialistas atuais.

Folha Online - Sessenta anos após a libertação dos prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, qual seria a melhor maneira de manter viva a lembrança do anti-semitismo?

2.mar.2005
Ernst Zundel, que nega Holocausto, é levado à corte
Ortmeyer - A característica fundamental dos crimes nazistas, sem precedentes na história, foi que a Polônia tinha campos de aniquilação, fábricas de morte, nas quais foram assassinadas milhões de pessoas, desde bebês até anciãos, com métodos industriais e com organização estatal. E isto pelo simples fato de que os nazistas haviam estabelecido que os judeus e os ciganos não tinham direito a viver. Eles não foram assassinados como resultado de ações da guerra nem foram assassinados pelo trabalho. Creio que não há alternativa a não ser levar os fatos, documentos, fotos, testemunhos sobre os crimes sem concepções complicadas. A verdade crua é suficiente para que os jovens possam tirar suas próprias conclusões.

Folha Online - Existe uma mudança na forma de lembrar do Holocausto, sobretudo, para os alemães?

Ortmeyer - Acho que experimentamos uma série de mudanças e vamos experimentar outras mais no futuro. Isto tem a ver com as gerações e com as transformações políticas. De 1945 até 1965, ou seja, durante 20 anos, recordava-se dos "pobres judeus" como Anne Frank [jovem que ficou famosa por escrever um diário quando ela e seus familiares, judeus alemães, estavam escondidos no sótão de uma casa]. Mas, ao mesmo tempo, havia milhares e milhares de nazistas em organizações estatais, nas universidades e colégios. Na década de 60, começou-se a discutir muito mais os crimes nazistas. Isto se deve à rebelião de estudantes de 1968 [revolta estudantil em Paris, na França]. A partir de 1980 surgiram iniciativas locais para analisar como os nazistas prepararam e perpetraram seus crimes. Começou-se a investigar também quem se apoderou dos imóveis dos judeus deportados e assassinados. Apesar da maior responsabilidade pelos crimes cometidos durante o nazismo recair sobre "os de cima", também é certo que a maioria da população alemã concordava e até participava dos crimes.

Folha Online - E como tem sido essa transformação nos últimos anos?

Ortmeyer - Durante os últimos dez anos, depois da "reunificação alemã", houve uma onda crescente de anti-semitismo. O nacionalismo atua como força motriz do anti-semitismo que produz uma situação paradoxal: os alemães nunca perdoarão Auschwitz aos judeus. Muitos alemães se tornam agressivos diante de judeus que trazem à memória os crimes nazistas porque isto prejudica a "glória da Alemanha". Sessenta anos equivalem mais ou menos a uma geração, mas há muitos jovens na Alemanha que se dão conta que o tema Auschwitz encerra um monte de hipocrisias, mentiras e cálculos táticos.

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