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27/04/2005
-
17h39
EMILIA BERTOLLI
da Folha Online
O avanço democrático realizado por vários países latino-americanos na última década não foi o suficiente para criar lideranças e moldar as instituições políticas que preenchessem o vazio de poder na região. O resultado disso são as constantes convulsões sociais que conferem instabilidade à América Latina.
A afirmação é do professor Reginaldo Nasser, 45, coordenador do curso de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). "Há uma crise de confiança sobre todos os governos latino-americanos, e o Brasil é o único que conseguiu manter uma situação política estável", disse em entrevista à Folha Online.
O reflexo dessa crise já aparece nas estatísticas. Uma pesquisa da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a relação dos latino-americanos com as instituições democráticas realizada no ano passado, revela um dado alarmante: 55% dos 19 mil entrevistados de 18 países da região preferia viver sob um regime autoritário, caso isso pudesse trazer melhores condições socioeconômicas de vida.
O projeto da ONU, que estuda a democracia na América Latina --e engloba Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Honduras, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela--, também revelou que a consolidação da democracia na região não é acompanhada por uma melhor distribuição de renda.
"Há um desencanto em relação à democracia na América Latina e aos projetos políticos --alardeados pelos presidentes populistas-- que prometiam mais desenvolvimento econômico à região", afirma Nasser.
Pessimismo
Condições econômicas que geram uma grande desigualdade social projetam em toda a América Latina um pessimismo que leva à eclosão das crises sociais, como aconteceu recentemente no Equador, e que terminou com a deposição do presidente Lúcio Gutiérrez.
O Equador registra, nos últimos anos, índice de 65% de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. No Brasil, esse número é de 22%, segundo a CIA (inteligência dos EUA).
"Isso gera atitudes democráticas que na verdade não deixam de reproduzir práticas autoritárias", afirma Nasser. "A destituição imediata do presidente do Equador não teve um fator claro que explicitasse o porquê dessa decisão." O Congresso equatoriano afirmou que Gutiérrez abandonou o cargo, e não cumpriu suas funções como presidente.
Até o momento, não há nenhum processo formal contra o presidente Gutiérrez. Há apenas uma ordem de prisão para que o ex-presidente responda sobre a ordem de reprimir os protestos populares, o que causou a morte de uma pessoa.
"Há muitas debilidades no processo democrático da América Latina. Todo o esforço institucional de consolidação dos anos 80 não foi suficiente para absorver os conflitos sociais. São sistemas políticos que evoluíram do ponto de vista institucional, mas isso ainda não é o suficiente para absorver as demandas sociais", segundo Denilde Oliveira Hazlhacker, 31, especialista em ciência política e professora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Rio Branco.
Brasil
A visita ao Brasil da secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, nesta terça-feira, deixa o país na posição de "mediador" das crises latino-americanas, segundo os especialistas.
"A América Latina nunca mereceu grandes atenções dos EUA", diz Nasser, acrescentando que a idéia de ter um país alinhado com a política externa americana, que possa mediar os conflitos na região, é atraente para os americanos. Como exemplo ele cita a situação no Haiti. Lá, os EUA não puderam interferir diretamente, mas fizeram denúncia à ONU, que enviou ao país forças de paz lideradas pelo Brasil.
Para Nasser, a estabilidade social e política brasileira permite que o país assuma essa postura de mediação na região. "E o Brasil é o primeiro interessado a não deixar que a instabilidade cresça na América Latina."
Venezuela
Mesmo que as crises sociais e políticas na região sejam de pouca duração, e "as elites sempre tentam restabelecer rapidamente a normalidade", de acordo com Halzhacker, a questão da Venezuela ainda é um problema que os EUA terão que enfrentar diretamente.
A principal questão entre os dois países gira em torno do petróleo. Os americanos são os maiores importadores do mundo e os venezuelanos, os maiores exportadores latino-americanos. "O problema é que todo esse petróleo está nas mãos de Hugo Chávez, presidente venezuelano, que sabe fazer política muito bem", diz Nasser.
Chávez se transformou em um pólo antiamericano na América Latina e faz, hoje, o mesmo papel que Cuba fazia durante a Guerra Fria. "A diferença é que Cuba era apenas um problema simbólico, sem maiores implicações financeiras", diz Nasser.
"Os governos latino-americanos são eleitos tendo como base uma forte argumentação distributiva em relação às políticas sociais, mas depois têm que gerir Estados com um Orçamento bastante restritivo. Isso gera e continuará gerando insatisfações sociais", afirma Halzhacker.
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Veja a situação em alguns países da América Latina
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Falta de liderança gera crise na América Latina, diz especialista
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O avanço democrático realizado por vários países latino-americanos na última década não foi o suficiente para criar lideranças e moldar as instituições políticas que preenchessem o vazio de poder na região. O resultado disso são as constantes convulsões sociais que conferem instabilidade à América Latina.
A afirmação é do professor Reginaldo Nasser, 45, coordenador do curso de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). "Há uma crise de confiança sobre todos os governos latino-americanos, e o Brasil é o único que conseguiu manter uma situação política estável", disse em entrevista à Folha Online.
O reflexo dessa crise já aparece nas estatísticas. Uma pesquisa da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a relação dos latino-americanos com as instituições democráticas realizada no ano passado, revela um dado alarmante: 55% dos 19 mil entrevistados de 18 países da região preferia viver sob um regime autoritário, caso isso pudesse trazer melhores condições socioeconômicas de vida.
26.abr.2005/Reuters |
Manifestantes protestam na capital Manágua |
"Há um desencanto em relação à democracia na América Latina e aos projetos políticos --alardeados pelos presidentes populistas-- que prometiam mais desenvolvimento econômico à região", afirma Nasser.
Pessimismo
Condições econômicas que geram uma grande desigualdade social projetam em toda a América Latina um pessimismo que leva à eclosão das crises sociais, como aconteceu recentemente no Equador, e que terminou com a deposição do presidente Lúcio Gutiérrez.
O Equador registra, nos últimos anos, índice de 65% de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. No Brasil, esse número é de 22%, segundo a CIA (inteligência dos EUA).
"Isso gera atitudes democráticas que na verdade não deixam de reproduzir práticas autoritárias", afirma Nasser. "A destituição imediata do presidente do Equador não teve um fator claro que explicitasse o porquê dessa decisão." O Congresso equatoriano afirmou que Gutiérrez abandonou o cargo, e não cumpriu suas funções como presidente.
Até o momento, não há nenhum processo formal contra o presidente Gutiérrez. Há apenas uma ordem de prisão para que o ex-presidente responda sobre a ordem de reprimir os protestos populares, o que causou a morte de uma pessoa.
"Há muitas debilidades no processo democrático da América Latina. Todo o esforço institucional de consolidação dos anos 80 não foi suficiente para absorver os conflitos sociais. São sistemas políticos que evoluíram do ponto de vista institucional, mas isso ainda não é o suficiente para absorver as demandas sociais", segundo Denilde Oliveira Hazlhacker, 31, especialista em ciência política e professora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Rio Branco.
Brasil
A visita ao Brasil da secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, nesta terça-feira, deixa o país na posição de "mediador" das crises latino-americanas, segundo os especialistas.
"A América Latina nunca mereceu grandes atenções dos EUA", diz Nasser, acrescentando que a idéia de ter um país alinhado com a política externa americana, que possa mediar os conflitos na região, é atraente para os americanos. Como exemplo ele cita a situação no Haiti. Lá, os EUA não puderam interferir diretamente, mas fizeram denúncia à ONU, que enviou ao país forças de paz lideradas pelo Brasil.
Para Nasser, a estabilidade social e política brasileira permite que o país assuma essa postura de mediação na região. "E o Brasil é o primeiro interessado a não deixar que a instabilidade cresça na América Latina."
Venezuela
Mesmo que as crises sociais e políticas na região sejam de pouca duração, e "as elites sempre tentam restabelecer rapidamente a normalidade", de acordo com Halzhacker, a questão da Venezuela ainda é um problema que os EUA terão que enfrentar diretamente.
A principal questão entre os dois países gira em torno do petróleo. Os americanos são os maiores importadores do mundo e os venezuelanos, os maiores exportadores latino-americanos. "O problema é que todo esse petróleo está nas mãos de Hugo Chávez, presidente venezuelano, que sabe fazer política muito bem", diz Nasser.
Chávez se transformou em um pólo antiamericano na América Latina e faz, hoje, o mesmo papel que Cuba fazia durante a Guerra Fria. "A diferença é que Cuba era apenas um problema simbólico, sem maiores implicações financeiras", diz Nasser.
"Os governos latino-americanos são eleitos tendo como base uma forte argumentação distributiva em relação às políticas sociais, mas depois têm que gerir Estados com um Orçamento bastante restritivo. Isso gera e continuará gerando insatisfações sociais", afirma Halzhacker.
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