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09/05/2005 - 10h00

"México vive experiência própria", diz López Obrador

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FABIANO MAISONNAVE
da Folha de S.Paulo, no México

Motivado pelo objetivo de anulá-lo, o processo político-judicial que desatou a grave crise política vivida nas últimas semanas reforçou o favoritismo do prefeito esquerdista da Cidade do México, Andrés Manuel López Obrador para eleição presidencial de julho do ano que vem.

Estrela ascendente da esquerda latino-americana, López Obrador, nesta entrevista exclusiva à Folha, rejeita tanto o rótulo de populista ("é um truque que a população já não aceita") quanto as inevitáveis comparações com Luiz Inácio Lula da Silva ou Hugo Chávez ao afirmar que o México "vive uma experiência própria".

Iniciado há cerca de um ano, o processo no qual López Obrador era acusado de desrespeitar uma ordem judicial culminou com a perda de sua imunidade, em votação na Câmara dos Deputados que contou com uma aliança de conveniência entre seus dois concorrentes diretos, o PAN, do presidente Vicente Fox, e o PRI, que governou o México durante quase todo o século 20.

Considerada uma manobra política para tirar o prefeito da campanha, a decisão foi condenada pela maioria da população e criticada no exterior, obrigando Fox a trocar de procurador-geral da República e a retirar a acusação contra López Obrador.

Enquanto o recuo desatou uma troca de farpas entre o PRI e o PAN, López Obrador viu sua aprovação chegar a 86%, segundo pesquisa do jornal "Reforma" divulgada na semana passada --8% a mais do que o levantamento anterior, de fevereiro.

A pesquisa mostra que as obras viárias --com destaque para um enorme "minhocão" --são consideradas a principal característica da sua administração, com 33%. Os programas sociais aparecem em segundo lugar, com 24%. Por outro lado, 72% acreditam que haja muita corrupção em seu governo.

No mesmo levantamento, a reprovação a Fox chega a 65% na capital federal, contra 58% em fevereiro.

Mas a campanha presidencial apenas começou e trará muitos desafios ao prefeito esquerdista, que deverá disputar com o presidente do PRI, Roberto Madrazo, e o ministro Santiago Creel, o candidato governista.

Analistas afirmam que o principal obstáculo de López Obrador é a pouca penetração no interior do seu partido, o PRD, fundado em 1989. Questionado sobre o assunto, disse que não responderia sobre questões partidárias.

"Por causa do regime autoritário que padecemos por mais de 70 anos, no México não havia diferença nenhuma entre partido e governo, e nós temos o imperativo ético de evitar os vícios políticos do passado mexicano", afirmou.

Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida anteontem à Folha, por escrito.

Folha - Muitos analistas vêem duas tendências nos novos governos de esquerda: uma politicamente pragmática e economicamente conservadores, como Lula e Lagos, e outra mais populista e agressiva, de Kirchner e Chávez. Onde o sr. se situa?

Andrés Manuel López Obrador -
Antes de mais nada, agradeço à Folha de São Paulo esta oportunidade para mostrar alguns pontos de vista a seus leitores no Brasil. E agradecer também a você por ter vindo até a Cidade do México para esta entrevista.

Quero dizer que esse tema da comparação ou identificação com diferentes governos de esquerda na América Latina se tornou um pergunta obrigatória. Mas acredito que cada país tenha a sua própria história, seus dirigentes e suas circunstâncias especiais. Além disso, não se pode extrapolar ou exportar as experiências de governo, pois cada um tem sua própria vivência, sua formação, e existem coisas que se aplicam na Venezuela, no Brasil ou na Argentina que respondem a necessidades próprias.

Por isso, não busco comparar-me com ninguém. Como tenho buscado nestes quatro anos à frente do governo da Cidade do México, quero que os habitantes de nossa cidade confirme que os compromissos e as prioridades que estabelecemos ao começar nossa administração estamos cumprindo de forma cabal.

Folha - É certo que, em sua campanha eleitoral, haverá comparações críticas entre o sr. e o presidente Chávez. Essa associação o incomoda?

López Obrador -
Ainda não me decidi se participa da eleição presidencial de julho de 2006. Nos próximos dias, em razão de que se concretize a retificação do governo federal e fique claro que não vão ser cancelados os direitos políticos de ninguém e as pessoas possam livremente decidir quem deve ser o próximo presidente da República, farei conhecer aos habitantes da Cidade do México meus planos futuros.

Mas, pelo que ocorreu aqui recentemente, onde se tentou cancelar meus direitos políticos, sou obrigado a deixar claro às pessoas meus próximos passos como político.

Buscou-se desabilitar-me politicamente, retirar-me do cargo de chefe do Governo do Distrito Federal e até me prender, apenas porque nossos adversários querem impedir a todo custo que eu possa competir para a Presidência do meu país.

Foram usadas todas as instituições do Estado nessa perseguição, mas a força do povo, a mobilização das pessoas impediram que no México se consumasse um grave retrocesso para a sua democracia incipiente. E é à população mexicana que, em primeiro lugar, terei de informar os meus objetivos. Estou seguro que haverá também interesses mais além de nosso país e poderão saber quais conclusões terei chegado.

De qualquer forma, estou consciente de que, se participar como candidato à Presidência, como porta-voz do movimento democrático, seja possível desqualificar-me com adjetivos.

Mas depois da lição de nosso povo, que, de maneira civil e pacífica, deteve a tentativa de cancelar a democracia, está claro que as pessoas saberão diferenciar entre as desqualificações e os projetos colocados para debate.

Folha - A sua popularidade são um sinal de que o México acompanha a tendência política de outros países ou prevalece uma dinâmica própria?

López Obrador -
Quero insistir que vivemos uma experiência própria no México. Não quero com isso desconhecer os esforços que a esquerda está realizando em outros países latino-americanos, mas o que nós vivemos agora em nossa nação é um clamor social em favor de uma mudança verdadeira. Com as eleições de 2000, apenas se deu o primeiro passo com a mudança de governo.

Agora, pobres e ricos, homens do campo e das cidades, habitantes do norte e do sul, estão a favor de uma transformação política e econômica autêntica, que dê viabilidade ao país.

Não haverá governabilidade em nosso país, não teremos paz social, segurança, se não diminuirmos, se não moderarmos a indigência e a opulência, como afirmou José María Morelos, um dos grandes dirigentes da política mexicana, ainda no início do século 19.

Folha - Outra crítica constante é a de que o sr. é populista. Como o sr. define o populismo mexicano? O sr. está na tradição do populismo cardenista?

López Obrador -
No México, existe um truque que a população já não aceita. Chama-se populismo ao pouco que se dá povo, e se chama "resgate" ou "fomento" ao muito que o Estado outorga a alguns empresários.

Esse foi o caso do resgate bancário de alguns anos atrás [1995, governo Ernesto Zedillo], que representa o maior saque contra nossa nação desde a época colonial. Ali, se utilizaram recursos públicos para resgatar alguns banqueiros, dos quais vários haviam realizado operações ilegais para obter benefícios pessoais.

Defendo o direito do Estado para assumir uma função ativa na promoção do desenvolvimento, como também deve favorecer a participação da sociedade civil nessa tarefa.

Não se trata de voltar a épocas anteriores, não proponho um Estado interventor, onipresente, rígido e verticalista: proponho um Estado suficiente, ativo, mas não sufocante, que renuncie a suas tentações autoritárias e favoreça as iniciativas sociais. Para defini-lo, posso dizer que se trata de um Estado social e democrático de Direito.

O governo do general Lázaro Cárdenas (1934-1940) foi o último que se guiou por princípios morais superiores às ambições pessoais. Foi o único estadista mexicano do século 20, e temos em seu governo muitos exemplos de retidão, coerência e compromisso com o povo.

Folha - O México tem há mais de dez anos um acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá. O Nafta foi benéfico ao país?

López Obrador -
O México deve aproveitar o melhor da globalização, e não apenas sofrer com ela, para incentivar o seu desenvolvimento, frear a pobreza e combater as desigualdades. Trata-se de atender aos fundamentos atuais da economia mundial, mas exercendo nossa liberdade para aplicar os pontos de vista e a política que mais convenha ao interesse nacional.

É aí que temos de encontrar o papel dos acordos comerciais vigente. Por exemplo, no caso do Tratado de Livre Comércio --e citando apenas um de seus aspectos-- devemos buscar negociar diversas formas de cooperação, via acordos complementares que ajudem a superar as assimetrias, isto é, as diferenças existentes entre os três países da América do Norte com relação à tecnologia, à produtividade e ao apoio ao campo.

Isso com o propósito de ter uma política integral no México que permita ao campo cumprir suas funções no desenvolvimento da nação e reverter a profunda deterioração do setor agropecuário que hoje se vive em nossa pátria.

Cito esse exemplo para ressaltar que se podem usar os acordos comerciais vigentes para que ajudem o desenvolvimento nacional.

Folha - O sr. acredita que a Alca seja uma prioridade para a região?

López Obrador -
É evidente que os acordos comerciais de alcance continental são fundamentais para diversificar as relações e a política externa de nosso país. Tanto no livre comércio como na busca de uma ordem internacional construída entre todos, no qual a globalização não queira dizer hegemonia, as alianças latino-americanas sempre serão fundamentais.

Folha - O que é preciso mudar nas relações entre México e Estados Unidos?

López Obrador -
A relação com o governo e a nação norte-americana deve ser de muito respeito e colaboração. Por razões óbvias, devemos procurar uma política de boa vizinhança, basta ressaltar que a proximidade geográfica do principal mercado e da principal potência político-militar do mundo e sua posição como fronteira cultural conferem ao México uma posição estratégica de grande relevância.

O principal tema dessa relação deve ser a migração, posto que o México é a nação que mais exporta emigrantes para os Estados Unidos. Apenas no ano 2000, os imigrantes mexicanos somaram 9,5 milhões de pessoas, quase 30% do total da população migrante americana.

Folha - Como têm sido os seus contatos com Lula e o PT?

López Obrador -
Nosso governo mantém uma colaboração e um trato muito respeitoso com cidades e governos brasileiros, incluindo, obviamente o governo de Lula da Silva. Vale lembrar que os acordos entre México e Brasil se dão por meio de seus governos nacionais, mas isso não impede que nós sigamos atentos e vejamos com simpatia os avanços que Lula está conseguindo para o povo brasileiro.

Folha - Em sua proposta de governo, o sr. defende a aproximação com a América Latina. Os governos de esquerda teriam prioridade?

López Obrador -
O México tem de fortalecer o diálogo e a relação com os países latino-americanos. Isso deve ser feito independentemente da orientação política de seus governos.

A política externa que propomos deve sustentar-se no fortalecimento de nossa política interna, na cautela diplomática e no apego aos princípios de autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da solução pacífica de controvérsias , a exclusão da ameaça ou do uso da força nas relações internacionais, a igualdade jurídica dos Estados, a cooperação internacional para o desenvolvimento e a luta pela paz e a segurança internacional.

Com essas orientações o México poderá consolidar e ampliar sua relação com a América Latina.

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