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18/08/2005 - 09h00

Artigo: Israel deixa Gaza, mas ocupação continua

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EMIR SALEH MOURAD
especial para a Folha Online

Do dicionário Aurélio, o termo desengajado significa "militar que reside fora do quartel", "aquele que não assumiu posição política" ou, ainda, "aquele que abdicou da posição que assumira".

Traduzindo para a realidade de Gaza, Israel retira os colonos dos assentamentos ilegais para livrar-se da incômoda situação demográfica de mais de 1,3 milhão de palestinos cercados por 8.000 colonos judeus, mas continua controlando militarmente as fronteiras terrestres, marítimas e aéreas da faixa de Gaza. Controle militar sem estar no quartel!

Porto, aeroporto, economia e a mão-de-obra palestina em Gaza ficam sob controle israelense, sem compromisso nenhum com a retirada de todos os territórios ocupados em junho de 1967: faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, inviabilizando o estabelecimento do Estado palestino soberano e independente nesses territórios. Sem mencionar as colinas do Golã (Síria) e fazendas de Chebaa (Líbano) também tomados por Israel. A ocupação continua!

Devemos dizer sim à retirada dos colonos dos assentamentos ilegais. A comunidade palestina no Brasil apóia a retirada parcial da ocupação israelense de gaza, mas denuncia a permanente falta de compromisso de Israel com a paz verdadeira, duradoura e justa.

Qual o plano de Sharon [Ariel, premiê israelense] para a retirada da totalidade dos 440 mil colonos instalados ilegalmente na sua maioria na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, já que os 8.000 colonos de Gaza representam apenas 2% desse total? Como acreditar nas intenções de negociações de paz de Sharon quando só durante este ano de 2005 construiu 6.500 unidades habitacionais em assentamentos ilegais para os colonos na Cisjordânia, e agora retira os colonos de 1.800 unidades habitacionais em Gaza?

Sharon não assume nenhum compromisso político com a Autoridade Nacional Palestina (ANP) para negociar um plano geral que debele de vez a grande tragédia e conseqüentes injustiças que se abateram sobre o povo palestino de 1948 até os dias de hoje: a não implementação dos direitos inalienáveis do povo palestino ao retorno e autodeterminação. Isso é desengajamento de Sharon e do Likud.

Em outras palavras: "A proposta de Sharon é não fazer nada depois da retirada, e construir mais colônias entre Maale Adumim e Jerusalém, para evitar, no futuro, a possibilidade da criação de um Estado palestino na Cisjordânia', conforme declaração de Yossi Beilin, líder do partido israelense Iachad-Meretz (esquerda).

A opinião publica não deverá se impressionar com a grande propaganda de que Sharon realmente está dando passos rumo a paz com a retirada de Gaza. O histórico de não respeitar as leis e acordos internacionais são uma grande marca de vários governos israelenses.

Durante os acordos de Oslo, Israel continuou construindo assentamentos ilegais nos territórios palestinos, desrespeitando todas as resoluções da ONU, convenções e acordos. Subsidiaram com bilhões de dólares os colonos que acreditam que esses territórios lhe pertencem por decreto divino. Agora tiveram que dizer a esses mesmos colonos que Deus não é demarcador de territórios e não outorga concessões territoriais para um povo em detrimento de outro? Sharon está movido por pressões internas e externas: é preciso fazer algo, mas para que as coisas continuem sob total controle israelense.

Nas palavras do embaixador palestino no Brasil, Musa Amer Odeh, "a saída dos colonos e do Exercito israelense da faixa de Gaza não é um favor e tampouco um sacrifício por parte de Israel. Nem o Exercito de Israel nem seus colonos poderão trazer paz e estabilidade. O fim da ocupação poderá".

A Cisjordânia, Jerusalém Oriental e faixa de Gaza representam 22% da "Palestina Histórica", de 27 mil quilômetros quadrados. Gaza representa 1,3%, 346 quilômetros quadrados. É humilhante que alguém tome sua casa e, depois, não negocie com o dono legítimo sua saída de 22% da casa ocupada.

Essa tem sido a terrível lógica de valores invertidos do conflito palestino-israelense. Israel age como um Estado fora dos padrões das nações civilizadas. Desrespeita resoluções da ONU desde 1948, com o apoio financeiro, político e militar dos sucessivos governos dos Estados Unidos.

Israel confisca e ocupa territórios árabes e palestinos, humilha e massacra todo um povo, constrói o vergonhoso "muro do apartheid" [barreira que Israel constrói sob alegação de se proteger contra terroristas palestinos. Já os palestinos classificam a barreira como um ato separatista. Tal construção é reprovada, inclusive, pela comunidade internacional], que confisca terras agrícolas palestinas, separa populações, e nada acontece.

O Iraque por ter invadido e ocupado o Kuait em 1990 foi retirado à forca em nome das leis internacionais e resoluções da ONU. A Justiça e as leis não valem para todos --o petróleo é controlado por poucos.

Parcelas da sociedade israelense compreendem que a ocupação é a causa principal do conflito entre palestinos e israelenses. Esses segmentos sociais israelenses compreendem que a ocupação gera humilhação e reações das mais diferentes matizes. Acreditam, como a maioria do povo palestino acredita, que a desocupação, o estabelecimento do Estado palestino, com condições de soberania plena e respeito mutuo perante o Estado de Israel, a solução de retorno dos refugiados palestinos e a questão de Jerusalém [que os palestinos, a exemplo de Israel, reivindica a cidade como capital de seu futuro estado], tudo isso de forma negociada entre o governo israelense e a Autoridade Nacional Palestina, e com apoio direto da comunidade internacional, tendo como base as resoluções da ONU, constituem o caminho de um futuro promissor e de paz para todos os povos e países da região.

Todos que afirmam que a fórmula de dois Estados para dois povos são a base da paz justa e verdadeira, precisam antes de tudo dizer quais são as fronteiras e os direitos e deveres desses dois Estados perante seus cidadãos, seus países vizinhos e à comunidade internacional. A paz precisa ser definida e qualificada.

"Para que um dialogo de paz se estabeleça, é preciso que a parte israelense se engaje, reconheça sua responsabilidade específica nos atos presentes de seu governo. E esteja disposto a traduzir em ações de solidariedade seu reconhecimento dos direitos dos palestinos", disse o jornalista e filósofo Michael Warchawski --membro de uma família de judeus ortodoxos. Ele vive em Jerusalém desde 1965, onde cursou a escola do Talmude [um dos livros básicos da religião judaica, contém a lei oral, a doutrina, a moral e as tradições dos judeus.

Emir Saleh Mourad é Secretario da Copal (Confederação Árabe Palestina)

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