Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
13/01/2006 - 19h05

Confira a íntegra do bate-papo com Iuri Dantas

Publicidade

da Folha Online

Confira abaixo a íntegra do bate-papo com o jornalista Iuri Dantas, 28, enviado especial da Folha ao Haiti, sobre o suposto suicídio do general brasileiro Urano Teixeira da Matta Bacellar, 58. Ele comandava a Missão de Estabilização da ONU (Organização das Nações Unidas) no país e foi encontrado morto com um tiro na cabeça no último sábado (7). O texto abaixo reproduz o modo como os participantes digitaram.

(05:07:13) Iuri Dantas: Ok

(05:07:36) Iuri Dantas: Boa tarde a todos, vamos às perguntas?

(05:10:54) Tantan: Oi Iuri, os haitianos acreditaram na versão de suicídio??

(05:12:08) Iuri Dantas: Oi Tantan, não sei dizer se a maioria acreditou. Muitos dos que conversei ficaram chocados, e não deram sinais de acreditar em outra versão. As rádios locais divulgaram que ele havia se suicidado no próprio sábado, e muitos tomaram apenas essa versão como verdade.

(05:12:20) maria 23: vc acredita na versão de suicidio ou essa versão é falsa?

(05:13:24) Iuri Dantas: Investigações deste tipo são sempre complicadas, Maria23, principalmente porque envolve os motivos pelos quais um general teria se matado. Depois de ouvir investigadores e pessoas que tiveram acesso ao local onde ele foi encontrado, acredito que ele se suicidou.

(05:13:27) Joaosoares: Duraten seu período de acompanhamento no Haiti, ouviu algum comentário comparando o desempenho funcional do Gen. Bacellar em relação ao desempenho do Gen. Heleno?

(05:14:52) Iuri Dantas: Boa pergunta Joaosoares. A resposta é não. Para os haitianos, o importante é a presença das tropas na rua, o contato diário com os soldados. Já os militares que estão hoje por lá não conseguem comparar, pois quando chegaram em novembro o general Bacellar já estava no comando.

(05:14:54) bibi: vc acredita que a morte do general Urano possa afetar os trabalhos da missão de paz no Haiti?

(05:16:14) Iuri Dantas: Não, Bibi. O momento para que um episódio como esse se reflita no trabalho diário já passou. Os soldados absorveram a notícia no sábado e no domingo. O que preocupa a muitos neste momento é qual a versão que o comando das Forças Armadas no Brasil dará para o caso. Todos com quem falei continuam envolvidos com o trabalho da mesma forma que antes da morte do general.

(05:16:21) fsdfsdf: Eu acredito na versão do suicídio.É verossímil e além disso ficar inventando teorias conspiratórias não leva a nada.Será que devemos melhorar o preparo de nossos oficiais?

(05:18:20) Iuri Dantas: Cheguei a me questionar sobre isso, fsdfsdf. Acredito que não só oficiais, mas todos os outros militares precisam ser treinados para situações como a que estão enfrentando no Haiti. Aconselhados por psicólogos e acompanhados de perto por pessoal qualificado. Isso é obrigação das Forças Armadas. Dito isso, acredito que seja cedo para dizer se o suicídio do general tenha algo a ver com seu treinamento, ou mesmo com a situação do Haiti. É muito cedo para especular sobre isso.

(05:18:30) Luiz M.: Iuri, qual a verdadeira relação com os Jordanianos ?

(05:20:28) Iuri Dantas: Você deve se referir à relação entre os militares, certo Luiz M.? Neste caso, foi possível identificar alguns atritos rotineiros entre brasileiros e jordanianos em relação a Cité Soleil, a favela atualmente mais perigosa em Porto Príncipe, controlada hoje pelos jordanianos. O local faz "fronteira" com outra favela chamada Cité Militaire, onde estão os brasileiros e muitas vezes bandidos de Cité Soleil ultrapassam a divisa. No alto comando, acredito que o relacionamento seja cordial.

(05:20:44) maria 23: mas o governo brasileiro não fez tesres de saude no general pra saber se tinha algum prolblema de ordem psicologica?

(05:22:25) Iuri Dantas: O Exército realiza exames periódicos, mas nenhum deles havia indicado propensão a suicídio. É preciso lembrar, Maria 23, que um general do Exército brasileiro é tratado como alguém respeitável, cuja vida pessoal não deve ser maculada. Talvez o respeito excessivo dado pelo Exército ao general tenha impedido um diagnóstico desses há mais tempo.

(05:22:36) 9">bibi: Em sua opinião, por que o Exército brasileiro quis descartar logo de cara a hipótese de suicídio?

(05:24:25) Iuri Dantas: Bibi, na minha avaliação o comando do Exército em Brasília não dispunha de todas as informações detalhadas sobre o que havia acontecido, por isso uma declaração destas. Em investigações de homicídio é comum não descartar nenhuma hipótese, e a pressa do comando em negar uma delas soa estranho. Acredito que seja mais um sintoma do respeito excessivo que o Exército dedica a seus generais.

(05:24:35) Tiago: Ola Iuri vc acha que as tropas brasileirs estao preparadas para uma missao como esa

(05:26:51) Iuri Dantas: Depende do que seria "uma missão como essa", Tiago. Ao chegar a Porto Príncipe, descobri que os militares hoje desempenham funções de assistência social, limpeza urbana e muitas outras para as quais não foram treinados. A proximidade cultural de brasileiros com haitianos reduz um pouco o ruído, mas certamente eles foram treinados para outro cenário. Estabilizar o país e deixar o local para que civis ou representantes da ONU auxiliassem na reconstrução. A Polícia Nacional Haitiana ainda carece de muitos recursos materiais e humanos. Nenhum Exército está pronto para uma tarefa dessas se depois das tropas não vier o auxílio financeiro e investimentos.

(05:26:54) Tuca: Iuri, a Eliane Cantanhêde afirmou que "o Haiti é, guardadas as devidas proporções, o Iraque do Brasil"... Vc concorda? Viu ou sentiu alguma restrição da população local às tropas brasileiras???

(05:28:40) Iuri Dantas: Concordo com a Eliane Cantanhêde, Tuca, porque ela sabiamente utilizou o "devidas proporções". Os problemas dos EUA no Iraque, e do Brasil no Haiti, não se resumem apenas a restrições da população contra as tropas. Há falta de investimentos, as forças locais não estão prontas, o país vem de séculos de instabilidade política, ditadores e toda sorte de problemas. Depositar as esperanças apenas nos militares é complicado.

(05:28:47) gls: Qual a repercussâo internacional (leia-se ONU) a respeito do acontecimento? Afetou a credibilidade do país?

(05:30:24) Iuri Dantas: Não que eu tenha percebido, Gls. Acredito que a real preocupação da ONU no episódio era perder a presença do Brasil. Os representantes da ONU no Haiti souberam entender o caso como isolado, tratar disso como uma tragédia pessoal, em vez de ampliar a avaliação como sendo um problema crônico dos militares brasileiros no país.

(05:30:31) BUSH: Iuri, você acredita que o Brasil deverá permanecer no Haiti por mais quantos anos?

(05:31:49) Iuri Dantas: Isso não depende dos brasileiros, Bush, mas dos haitianos. Um novo presidente pode modificar o cenário e a presença de tropas internacionais se tornar desnecessária. Pessoalmente, acredito que o Brasil permanece até o final deste ano, mas seria preciso que o comitê eleitoral mantivesse a data das eleições e o povo elegesse um novo líder.

(05:32:05) Luiz M.: Lí recentemente que tropas jordanianas trocaram tiros por muito tempo com marginais haitianos, e um quartel brasileiro nas proximidades não os socorreram...

(05:33:25) Iuri Dantas: Entramos aí nos limites e burocracias militares e das Nações Unidas, Luiz M. Os brasileiros são responsáveis por uma área e os jordanianos por outra. A menos que haja pedido de operação conjunta, um não se mete no espaço alheio.

(05:33:38) HAN: ASITUAÇAO NO PAIS E MENOS VIOLENTA COMO ERA NO PRINCIPIO OU NAO?

(05:35:38) Iuri Dantas: Desculpem, caí. Voltando à pergunta de Han...

(05:36:21) Iuri Dantas: Parece que a situação é melhor em quase toda a capital, Han. A restrição continua sendo Cité Soleil, onde a criminalidade vem aumentando sua força. As Nações Unidas precisam desenvolver rapidamente um plano para o local.

(05:36:26) BHD: A atuação brasileira tem ido além a um serviço "policial"?

(05:37:49) Iuri Dantas: Não, BHD. Se entendi sua pergunta, os militares não realizam operações "policiais", isso fica a cabo da Polícia Nacional Haitiana. É óbvio que muitos patrulham as ruas e mantém vigilância em áreas importantes, mas não chegam a interromper crimes como roubo ou mesmo sequestro, segundo o relato de haitianos que ouvi.

(05:37:56) rondonia(m): Iuri descuple a insistencia, mas quais os poss´´iveis motivos para o suicídio de um general já caminhando para general de exército com 57 anos?

(05:39:37) Iuri Dantas: Essa pergunta não é apenas sua, Rondonia(m). Ele não teria deixado bilhetes, por isso a questão é ainda mais complexa. Todos (ONU, Exército, soldados, jornalistas, população) querem saber disso. Não creio, porém, que o melhor seja elaborar especulações. Há uma investigação em andamento, entrevistas com as pessoas mais próximas, análises médicas antes de sabermos os motivos.

(05:39:41) Fernando: Vc estava em Washington antes de ir ao Haiti. E os americanos, quais sao seus planos para o haiti?

(05:41:14) Iuri Dantas: Depende, Fernando. Para o Departamento de Estado e a diplomacia norte-americana, é ótimo que o Brasil cuide do país e lidere as tropas da ONU. Alguns setores do Pentágono, porém, ficam ressentidos de terem saído do país para a chegada das Nações Unidas e acham que poderiam fazer um trabalho melhor que a Minustah.

(05:41:19) pspm: alguém ai já trabalhou com jordanianos? eles sã prá lá de complicados.

(05:43:35) Iuri Dantas: Também alguns brasileiros são complicados Pspm. Tento evitar conceitos já prontos sobre as pessoas. Quando se fala sobre "jordanianos" estamos conversando sobre milhares de pessoas diferentes, um comando com determinada orientação etc. Eles podem ser complicados, mas têm suas razões. Estão lá cumprindo o mandato da Minustah, como os brasileiros. Militares, neste caso, precisam apenas de um ajuste, afinal precisam manter disciplina e quem manda mesmo são as Nações Unidas

(05:43:48) ADP: Qual é o interesse do Brasil e da ONU em manter um contingente das Forças Armadas no Haiti?

(05:45:55) Iuri Dantas: O país é o mais pobre do continente, ADP. Passou por graves turbulências políticas com a queda de Aristide. E integra o sistema das Nações Unidas. Creio que esses seriam os interesses dos dois que me perguntou. Obviamente, há enormes interesses econômicos de outros países e o que me incomoda é não ter visto empresas ou grupos empresariais brasileiros tentando ajudar os haitianos a retomar a vida, e não tanto ver empresas estrangeiras fazendo isso.

(05:46:43) Rubens: estou entrando na sala agora, não sei se já foi perguntado, vc tem alguma experiência, ccomo correspondente de guerra?

(05:47:33) Iuri Dantas: Nenhuma, Rubens. Foi a primeira vez que estive em uma zona considerada de conflito, com tropas armadas.

(05:47:40) rondonia(m): em relação à foto divulgada, ele está em uma sacada, num alpendre, mas as notícias falam que foi encontrado morto no quarto com a cabeça sobre o peito. Há divergências nas informações. Qual sua opinião sobre isso?

(05:48:28) Iuri Dantas: Até onde sei, Rondonia(m), ele foi encontrado encostado na mureta da sacada, como a primeira foto divulgada.

(05:48:31) VICTOR: Na sua opinião, um programa sério de educação de planejamento familiar deveria ser incluída no programa de paz da ONU para o Haiti?

(05:49:55) Iuri Dantas: Olá Victor. Deixemos assim: na minha opinião, um programa sério de educação já dá conta. Mas creio que esta é uma função a ser desempenhada pelo Estado haitiano. E não pela ONU.

(05:50:16) Tiago: ola Iuri vc acha que as forcas armads estao bem preparadas para misoes reais

(05:51:38) Iuri Dantas: Parcialmente, Tiago. Os bandidos de Cité Soleil já possuem armas mais avançadas que as tropas brasileiras hoje. O treinamento dado para o Haiti é específico para lá, não integra o programa normal dos oficiais. Seria preciso mais treinamento, mais dinheiro e mais pessoal.

(05:51:43) Luiz M.: Lí recentemente uma entrevista do General Bacellar, onde o mesmo se dizia muito feliz pela missão recebida ! A frase da esposa: "Não vou falar hoje, nem amanhã...nem nunca !" Pode indicar problemas conjugais ou familiares ?

(05:52:37) Iuri Dantas: Problemas conjugais ou raiva dos jornalistas que fizeram a pergunta, Luiz M. Ou uma tristeza enorme que não podia ser compartilhada. O caminho das especulações é bem complicado.

(05:52:54) Fernando: Os sucessivos comandantes brasileiros reclamaram da falta de outras acoes da ONU, ficando a responsabilidade pelo insucesso somente sobre os militares... O que vc viu la? Isso corresponde a sua opiniao?

(05:54:40) Iuri Dantas: Definitivamente, Fernando. Falta coleta de lixo, iluminação pública, saneamento, empregos, educação, moradia. Mas a questão vai além da ONU. Se a ONU é burocrática e lenta, que outros assumam isso, e o setor privado é o único capaz. Falta esse tino no Brasil. E falta esse tino nos países mais ricos. Há caridade, a Cruz Vermelha e os Médicos sem fronteiras estão lá. Mas ainda é muito pouco.

(05:54:44) Tiago: vc acha que ao termino desa misao o Brasil vem a vir consegui uma cadera permanente na onu

(05:56:10) Iuri Dantas: Uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, Tiago, não é obtida facilmente. E por mais que a missão dos brasileiros no Haiti possa ser bem sucedida no futuro próximo, há diversos outros fatores geopolíticos que influenciam na reforma do CS. Pessoalmente, acredito que o sucesso do Brasil no Haiti ajuda, mas muito pouco.

(05:56:12) Lidia: Eu vivo no Caribe e sinto uma pena muito grande pela situação no Haiti. É um pais que tem uma história de violência e injustiça, embora tem sido o primeiro a conseguir sua liberdade. Agora os países do Caricom deveriam fazer muito mais pelo vizinho e não fazem porque a maioria acha que a intervenção e a remoção do governo foi injusta. O que você acha ?

(05:57:52) Iuri Dantas: Oi Lídia, acho importante que os países se manifestem contra o que acham errado. Mas hoje a questão é de sobrevivência dos mais pobres. Haverá eleições justas e livres. Que o povo haitiano escolha o melhor presidente e que os demais países auxiliem a população pobre de lá.

(05:57:54) Joaosoares: No seu convívio com os militares, houve algum relato de como se encontrava o estado emocional do General falecido?

(05:59:07) Iuri Dantas: Boa parte do meu trabalho, Joaosoares, foi justamente tentar reconstituir isso. Todos com quem falei se mostraram surpresos com a morte dele justamente porque ele havia acabado de chegar do Brasil, onde passou o Ano Novo com a família e aparentava estar bem, tranquilo e reservado como sempre.

(05:59:39) TIM: O papel da Missão Brasileira no Haiti tem sido criticado. Agora o chefe da missão se mata, ou seja, foge da tarefa que lhe foi dada. Você acredita que teremos condições de cumprir a missão, ou seja um fracasso ?

(06:01:36) Iuri Dantas: Olá Tim. Ao pé da letra, a missão brasileira tem sido criticada por setores da população haitiana e por algumas ONGs de direitos humanos. Isso é muito grave e precisa ser bem investigado pela ONU. Quanto a sucesso e fracasso são termos muito fortes e que não podem ser aplicados agora. Se por um lado os brasileiros conseguiram estabilizar áreas fortemente violentas, por outro há essa suspeita de abusos de direitos humanos. Se houver controle e tolerância zero contra abusos, acredito que o Brasil pode sair bem dessa.

(06:01:54) ambiental: Assim que eu fiquei sabendo da morte do general, lembrei do filme Hotel Ruanda, vc. assistiu? A situação de tensão apresentada no filme, devido à guerra civil na Ruanda, parece se assemelhar com a situação do Haiti. A ONU tem limitações em sua forma de atuar, não? Como está o clima nas ruas. Há tensão constante?

(06:03:31) Iuri Dantas: A tensão fica localizada em Cité Soleil, Ambiental. Não é o mesmo que o filme, pois não se trata de limpeza étnica, mas de criminalidade mesmo. São todos haitianos, vítimas e bandidos. A ONU decidiu que limitações teria ao estabelecer seu mandato. A tensão existe, mas não vi nenhum episódio que me fizesse sentir medo de andar nas ruas do centro ou de outros bairros.

Especial
  • Confira como foram os bate-papos anteriores
  • Para jornalista, nunca houve dúvida sobre suicídio de general no Haiti

  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página