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Leio no jornal, espantado, que juízes viajam com despesas custeadas por firmas inocentes até prova em contrário. Leio, ainda mais espantado, artigos elaborados por juristas e advogados em defesa dessa atitude.
Meu pai foi juiz. Desembargador. Tinha, do Poder Judiciário, a melhor das impressões. Conheceu-cito suas palavras-juízes desequilibrados, loucos, e mesmo corruptos. No geral, entretanto, estava contente com o padrão ético de seus colegas.
Uma coisa, entretanto, ele não engolia. Conto qual é, antes de falar sobre essa história de viagens pagas.
Eu mesmo senti o absurdo da situação. Você sabia que, quando compra um apartamento, quando vende uma casa, quando passa uma escritura, vai uma parcela em benefício da Associação Paulista de Magistrados?
Meu pai sabia. E espumava diante disso-uma benesse consagrada em lei. Quando comprei meu apartamento, vi nitidamente no cartório a porcentagem (mínima, é verdade) que se destinava a essa associação.
Ora, dizia meu pai, isso é uma entidade de direito privado. A Associação Paulista de Magistrados tem uma bela sede em São Paulo. Oferece aos juízes alojamentos de férias no Guarujá. Deve estar entupida de dinheiro, pois todo dia cidadãos vendem, compram, doam, herdam imóveis no Estado de São Paulo.
Pois bem (dizia meu pai), ninguém terá coragem de se insurgir contra esse estado de coisas. A Associação Paulista de Magistrados deveria viver das contribuições dos magistrados. Não presta serviços públicos. Se um zé-ninguém quiser tomar banho de piscina na sede da associação, será barrado. Só que esse zé-ninguém pagou, ao passar uma escritura, pelo lazer dos juízes paulistas.
A falta de coragem da imprensa (dizia meu pai) impede que se levante essa questão. Mais do que ninguém, os jornalistas dependem da Justiça. processos.
Torna-se então difícil avaliar a conduta ética dos juízes. Mas, pelo amor de Deus, não é óbvio que um juiz tem de recusar convites para viagens supostamente ou realmente culturais?
Logo aparecem advogados defendendo toda viagem que os juízes façam. Não é óbvio que um advogado, com causas em curso no fórum, devia estar impedido de falar em favor da magistratura? Ele fala segundo sua consciência ou segundo os interesses de seus clientes?
Claro que esses advogados podem estar escrevendo seus artigos com total isenção intelectual. Claro que um juiz pode estar viajando pelo mundo sem nem saber que empresa o financia. Suas opiniões, seus julgamentos, podem perfeitamente estar infensos a qualquer pressão monetária.
O problema, entretanto, é moral. Cumpre, no interesse da lei e da ordem, não despertar suspeitas desse tipo. A reação dos que defendem os juízes é dizer que eles não são suspeitos. Seria melhor, como defesa, que não fosse preciso haver defesa.
Fico espantado com declarações do tipo "decisões da Justiça eu não discuto". A frase foi empregada por Pitta, ou por Maluf, não sei mais. Como assim? Uma decisão absurda não pode ser discutida? Veja-se o caso de Pitta. A "Justiça" afastou-o do cargo, a "Justiça" reconduziu-o ao cargo. A própria "Justiça" oscila.
Por que não discutir suas decisões? Até porque advogados são pagos para discuti-las. Todos se pelam de medo. Francamente. Puxa-saquismo, reverência, interesse constituído freiam o debate. Em volta de uma piscina, tudo fica mais ameno. Eu poderia frequentar essa piscina. Prefiro não frequentar.
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