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24 de novembro |
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Gente fina
é outra coisa |
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Um dos clichês preferidos da esquerda - eu mesmo já o
utilizei muitas vezes - é acusar a insensibilidade das elites
brasileiras. Há quem diga até que as nossas são
"as piores elites do mundo".
Claro que há insensibilidade. Mas questiono algumas coisas.
Acho engraçado, por exemplo, o uso do plural. Por que será
que sempre se fala em "elites" e não "na elite"?
A frase parece transparecer o intuito da generalização;
torna-se mais vaga, sem acusar ninguém. "Elites"
fica assim com cara de "forças ocultas".
Isso é só um detalhe. Não acredito que as "outras"
elites - a da Indonésia, a da Inglaterra, a dos Estados Unidos
- sejam muito melhores do que a nossa. Quem viu um filme como "Vestígios
do Dia" , com Anthony Hopkins no papel de mordomo, na Inglaterra
dos anos 30, sabe da eficiência do sistema de dominação
social em vigor naquele país. E uma rápida consulta
a manuais de história equivale a um passeio por todo tipo de
massacres, torturas, crueldade e arrogância dos nobres e burgueses
em qualquer país do mundo.
Não estou aqui para defender a elite brasileira. Toquei no
tema apenas para comentar um caso específico. Refiro-me aos
primeiros anúncios do secretariado de Marta Suplicy.
A prefeita eleita já pode contabilizar um sucesso de marketing
escolhendo João Sayad e Jorge Wilheim para sua equipe. Se era
preciso demonstrar que "o PT mudou", a escolha dos dois
não poderia ser melhor. Aponta, em primeiro lugar, para a independência
de Marta diante dos quadros do partido. É também uma
dupla homenagem a quem quer que tivesse medo de esquerdismo, "pouca
experiência" e diminuto trânsito político
numa administração petista.
Mesmo quem se preparava para ironizar o tom "esquerda chique"
de Marta Suplicy deve reformular um pouco seus ataques: pois o ambiente
nem é tão de esquerda assim. O que me parece claro é
que Marta, sendo de elite ela própria, não ignora que
essa condição foi muito mais um trunfo político
do que algo que a prejudicasse nas eleições.
Arrisco um pouco mais. Creio que, nos últimos tempos - talvez
a partir do governo Montoro - houve uma transformação
no estilo da classe A paulistana. A figura do industrial que dava
dinheiro para a repressão política, do imigrante que
simbolizava a pujança da indústria automobilística,
aquele tipo de classe dominante que corresponde ao velho personagem
vivido por Zeloni em "São Paulo S.A." , filme de
Luiz Sérgio Person de 1965, e que se prolongou nos vários
presidentes da Fiesp (até que surgisse Horácio Lafer
Piva), foi mudando.
Alguns fatores concretos. A própria recessão econômica
tirou de cena os capitães de indústria mais típicos.
A internacionalização do capital exigiu, por outro lado,
que os novos investidores - atuando no setor público - tratassem
de legitimar-se um pouco mais, com iniciativas sociais etc. A crise
do Estado mobilizou também empresários nacionais e membros
da elite a criarem ONGs e estratégias de promoção
social. A falência do modelo socialista de Estado determinou
também uma pulverização das causas progressistas:
um grande atacadista de tecidos pode, por exemplo, ter uma queda pelo
mico-leão dourado e envolver-se, sem prejuízo de seus
interesses de classe, numa causa ecológica.
Por fim, a tão chamada "vocação" da
cidade de São Paulo para o setor de serviços abriu novas
estratégias empresariais e áreas de preocupação.
Para o dono de uma indústria, interessa basicamente que a cidade
conte com uma boa rede de transportes e de infra-estrutura. Para o
setor de serviços, é provável que outras coisas
sejam também importantes: o próprio visual urbano, além
da segurança, conta mais para o negócio.
Observe-se também (não sei se há cálculos
a respeito) o papel econômico que foi assumindo o empresariado
cultural, os administradores e fundações artísticas,
em torno de isenções tributárias e dos lucros
do show-business.
Enquanto Maluf falava para a pequena-burguesia ressentida e para os
estratos mais primitivos da população, na linguagem
"paleo-industrial" das obras públicas e do "big
stick" da repressão policial, a classe dominante pôde
reconhecer-se melhor num PT que quer valorizar a "qualidade de
vida" da cidade - incluindo, sem cinismo, a qualidade de vida
das próprias elites.
É o mesmo processo que levou à recuperação
da Pinacoteca, à criação de uma sala de concertos
de primeiro mundo na estação Júlio Prestes, à
inclusão de São Paulo no circuito internacional das
mega-exposições de arte; entidades como a Abrinq, a
Associação Viva o Centro, os amigos do MAM, do Masp
etc., tudo se organiza em torno da alta cultura, do consumo elegante
do Pátio Higienópolis e das inúmeras iniciativas
em favor do menor abandonado, do patrimônio histórico
etc.
Tudo isso é muito bom, claro. É essa elite que Marta
está refletindo. O interessante vai ser juntar esse mundo com
o outro, o quarto mundo da periferia, onde organizações
de base, os setores nada chiques da Igreja de esquerda, as carências
de casa popular, luz, asfalto e segurança, sem contar com o
próprio PT e a turma da Erundina, terão também
de ser atendidos.
Leia colunas anteriores
17/11/2000 - Fase
quatro
10/11/2000 - O
que é censura?
03/11/2000 - Quem morreu?
27/10/2000 - Fascismo
por Procuração
20/10/2000
- Ôôô Dona Marta!
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