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RIO
DE JANEIRO - O
que revolta no câncer é que ele nasce em silêncio,
sem dor e sem grito. Muito gente preferiria que ele doesse logo, botaríamos
a boca no mundo e facilitaríamos a precocidade do diagnóstico.
Mas o câncer prefere crescer sem espantos. Quando dói
já nos tem em suas garras. Como as grandes estações
de ônibus, tornamo-nos terminais.
Morte por morte, tanto faz o câncer como a bala perdida - que
tanto assusta o Caversan - o desastre aéreo, o insulto cerebral.
Aliás, morrer de insulto cerebral é dose. Os insultos
exigem o revide. Não deve ser agradável ir para a eternidade
deixando um insulto eternamente impune.
Desde os bancos escolares que o câncer me persegue, sob a forma
de um trópico que até hoje não sei para que serve
nem por onde passa. O que redime o câncer é seu colega
de globo terrestre, o de Capricórnio. Ignoro os responsáveis
pelos nomes dessas coisas. A opção que o camarada nos
legou é dolorosa: câncer ou capricórnio. Queiramos
ou não, estamos sob o signo de um deles. E há os exagerados,
que estão sob o signo dos dois.
Por falar em exagero, exagero é ter câncer no piloro.
O que torna o câncer emocionante é que ele ataca em vários
lugares. A tuberculose exasperava pela monotonia, as hemoptises, a
febre, a tosse, o tango argentino. O câncer tem mais imaginação,
escolhe o lugar adequado para matar. E dá nos mais estranhos
territórios.
Não sei se existe o câncer da flora intestinal, mas há
o câncer nos gânglios linfáticos. O câncer
mais civilizado é o do fígado, todo mundo olha para
o camarada e pensa: esse aí aproveitou a vida, bebeu bem, comeu
bem, amou bem.
Já o câncer no duodeno, no reto, no baço, são
prosaicos. Agora, câncer calhorda é o do piloro.
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18/4/2000 -
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a roda
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