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Suspeito que, no futuro, se dividirá a história da televisão entre antes e depois de "Big Brother", aquele programa que coloca meia dúzia de desocupados numa casa e filma tudo que os coitados fazem.
Aqui na Inglaterra - como antes na Holanda, Alemanha, Espanha, etc. - a turba foi ao delírio. Os habitantes saíam nas capas de revistas e jornais, aqueles que eram ejetados da casa (por uma votação popular que frequentemente ultrapassava a marca do milhão de telespectadores) viravam "instant celebrities", e os tablóides deixaram um pouco o príncipe William em paz para especular sobre se a Mel teria um caso com o Andrew.
Foi o fenômeno mais recente e explosivo de uma onda já percebida anteriormente e já fazendo sucesso universal, coisa que os magos do showbiz chamam de "reality TV".
Fazem parte do movimento os talk-shows debatendo ad nauseam o primo da cunhada que tem um caso com a filha da vizinha, os "Sobrevivente" da vida e outros programas de auditório destinados a discutir temas corriqueiros, comportamentais.
Mas por quê essa explosão justo agora? Por que será que o público televisivo, sempre tarado pela vida dos ricos e famosos, amarrado em uma novela com intrigas mirabolantes e inverossímeis, passou agora a se interessar por gente como a gente?
Suspeito que parte da resposta esteja escondida junto com algumas dessas cédulas borradas da Florida. A catástrofe eleitoral americana, e a paralela irritação dos eleitores com um processo político cada vez mais distanciado de seu dia-a-dia, revela um público que se distanciou das grandes questões e está procurando refúgio no pequeno e inofensivo.
O aumento descomunal de todas as escalas - de corporações a governos a lojas, de shopping centers a boates - gera uma diminuição proporcional do cidadão comum, com cada vez menos controle sobre os destinos de sua cidade, seu emprego e seu país. Somado a isso, temos a tentativa (bem-sucedida) dos donos do poder de envolver sua atividade - qualquer que seja ela - em um véu de aparente insondabilidade.
Assim é que o homem normal, já atordoado com as dificuldades de sua sobrevivência e atingido por uma blitzkrieg incessante do marketing de auto-ajuda, voltou-se, qual Narciso, unica e exclusivamente para si, à resolução de seus problemas reais e imaginários, e já não consegue pensar em algo maior ou com um horizonte de tempo mais avançado.
Há algum tempo, não muito, política era tema que despertava tantas paixões quanto o futebol. Hoje, no Brasil e no mundo, ninguém está muito aí. Há um circo tão grande ao redor das questões mais simples - PhDs em economia, jornalistas, ex-presidentes de não sei o que - que, fora palhaço e mestre de cerimônias, todo mundo foge do picadeiro.
A suposta complexidade da coisa pública é uma falácia. A vida pública, assim como a medicina, pode ser complicada em seu funcionamento, mas é óbvia em seus resultados. Economia, idem. Qualquer pessoa, por mais ignorante que seja, sabe quando um remédio lhe cai mal, ou quando uma posologia não lhe cura a dor. Assim como sabe quando um ponta é perna de pau ou um atacante perde o gol que deveria fazer. Assim como sabe, ainda que não queira, quando um governo leva um país a breca, e quando uma política econômica, por mais bandas endógenas que tenha, traz mais arroz e feijão para a mesa do sujeito ou se lhe tira a mesa e, bobeando, a casa.
Ficar à margem dessas discussões é ficar à margem de sua própria vida; é abandonar seu futuro e esquecer seu passado. É não conseguir entender seu pertencimento a uma coletividade, a algo maior. É perder a transcendência. É, em suma, perder uma vida substantiva para virar um boneco solto ao vento, confinado ao seu mundinho, sem script, sem proposta e sem direção. Que nem o pessoal da casa do Big Brother. O susto é quando desligam a tela e se nota que ela não passava de espelho.
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P.S. A partir da semana que vem, a coluna é promovida para as quartas-feiras. Nos vemos lá.
Leia colunas anteriores
26/11/2000 - Um animal social
19/11/2000 - Até
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12/11/2000 - Muito a leste, e já
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05/11/2000 - Ou é burro, ou é mais
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29/10/2000 - Primeiro, derrubemos
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