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A
corrida pela decifração do genoma humano (ou seja,
a coleção de genes da espécie humana) está
turbinando os ciclos de publicação científica,
em geral obedientes ao ritmo de semanas, ou meses. Na quinta-feira
da semana passada, jornalistas de ciência do mundo inteiro
receberam aviso incomum da revista britânica "Nature":
não apenas estava antecipando a notícia do sequenciamento
(leitura) do cromossomo 21, que aparecerá só na edição
do dia 18, como ainda adiantava o tradicional embargo noticioso
da quarta para a segunda-feira.
O
resultado é que o público recebeu com nove dias de
antecedência uma notícia que só vai ganhar existência
material, preto-no-branco (melhor dizendo, tinta-no-papel) semana
que vem. Na Internet, afinal, o material (artigo
original e comentário) está disponível
desde terça passada. Normalmente, os jornalistas credenciados
pela "Nature" são orientados a publicar reportagens
baseadas na revista somente no dia em que a edição
impressa começa a circular, sempre às quintas.
Em
se tratando de um cromossomo relacionado com a relativamente comum
síndrome de Down, parece apropriado não reter a informação
por muito tempo. Parece, apenas. Em primeiro lugar, nem o público
nem os cientistas ganham coisa alguma com esses nove dias (OK, tampouco
perdem). Nada será curado ou resolvido com base nessas informações
do 21, nos próximos meses ou mesmo anos.
A
razão mais provável terá sido a expectativa
de que a empresa Celera
, concorrente do consórcio público internacional do
Projeto Genoma Humano (PGH), anunciasse ainda esta semana a conclusão
do sequenciamento de todos os 23 cromossomos da espécie (o
PGH, até agora, completou os dois menores, de números
21 e 22, e promete apresentar um rascunho de 85% do genoma no mês
que vem).A
previsão sobre o anúncio da Celera, muito cuidadosa,
foi feita domingo passado em reportagem do jornal "The New
York Times", que também dava conta das negociações
da Celera com a principal concorrente da "Nature", sua
congênere norte-americana "Science". Adiantar a
publicação do 21, assim, seria uma maneira de eclipsar
o brilho da vitória da Celera na corrida.
Até
a entrega desta coluna, tal anúncio ainda não havia
sido feito.
...
genes de menos
Nessa
briga de cachorros grandes por prestígio científico
e editorial (além de futuros lucros com patentes), um aspecto
genético importante poderia até passar despercebido.
Os pesquisadores japoneses e alemães que decifraram os 33,8
milhões de letras A, C, G e T do cromossomo 21 encontraram
apenas 225 genes (grupos de milhares de letras que contêm
informação). Mais de 500 eram esperados, por analogia
com o vizinho 22, que tem tamanho semelhante, mas abriga 545 genes.
Isso
quer dizer que a maior parte das letras do cromossomo 21 não
faz sentido para os geneticistas. Não, pelo menos, dentro
do que eles consideram ser a função do código
genético informar à célula receitas de
proteínas de que ela necessite. Como bons reducionistas,
os pesquisadores acham que essas sequências sem função
que possam reconhecer são "lixo" (ou "junk").
Mas também ainda não foram capazes de explicar por
que tanto lixo se acumulou ao longo da evolução.
Por
ora, essa carência de genes no 21 sugere que podem ser exageradas
as estimativas de que existam de 70 mil a 140 mil genes (e portanto
quantidade equivalente de proteínas) no repertório
da espécie. Se todos os outros 21 cromossomos seguirem o
padrão de exuberância irracional do 21, mais provável
é que seres humanos só precisem de uns 40 mil genes
para se tornar o que são. Leia reportagem
de Isabel Gerhardt na Folha sobre essa incógnita.
Site
da semana
Como
o assunto da semana é genética, é oportuno
dar uma olhada na GeneLetter
, que trata das últimas novidades nesse campo e de suas implicações
éticas, sociais e legais. Não conte com uma página
para iniciantes, mas o nível está longe de ser incompreensivelmente
técnico. Esta semana, a newsletter trazia uma entrevista
esclarecedora com o geneticista Charles Cantor sobre as lacunas
e erros do sequenciamento do genoma humano feito pela empresa Celera.
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