Folha Online sinapse  
16/12/2003 - 03h18

Leia trecho do Mahabharatha pelos olhos de uma criança

da Folha de S.Paulo

Leia abaixo quatro histórias do Mahabharatha escritas pela visão de Samhita Arni (Conrad Editora, 136 págs., R$ 29), que começou a realizar o trabalho quando tinha 11 anos.


Capa do Mahabharatha pelos olhos de Samhita Arni (Conrad Editora, 136 págs., R$ 29).
1. O OITAVO FILHO

Um dia, Santanu, o rei de Hastinapura, apaixonou-se por uma donzela. Pediu sua mão em casamento, e a donzela, que também se sentiu atraída por ele, aceitou. Ela, no entanto, impôs certas condições: o rei jamais poderia perguntar-lhe quem era ou o que fazia. Santanu concordou e eles se casaram.

A donzela era uma esposa perfeita em todos os sentidos. Passado um ano, deu um filho ao rei. Porém, no silêncio da noite, ela afogou a criança no Rio Ganges. O rei mal podia acreditar. Preso à sua promessa, no entanto, não podia perguntar por que ela tinha feito aquilo.

Mais dois anos se passaram e ela lhe deu outro filho. Novamente, na calada da noite, a donzela atirou-o ao rio. O mesmo destino tiveram outros cinco filhos.

Quando chegou a hora do oitavo filho, Santanu sacou a espada e perguntou:

— Por que faz isso? Você é uma esposa ou um demônio?

— Santanu — ela respondeu —, sou a Deusa Ganga. Esses filhos haviam sido condenados pelo sábio Vasishtha a nascerem neste mundo porque tinham roubado a vaca sagrada dele. Eles me pediram para ser sua mãe e afogá-los. Mas vou poupar esta criança.

E então a deusa desapareceu com o bebê, ignorando as perguntas frenéticas de Santanu: "Por quê? Onde? Quem?"

Santanu voltou ao palácio decepcionado.

Muitos anos mais tarde, em um dia de tempestade, Santanu estava sentado às margens do Rio Ganges, sob o abrigo de uma árvore. Seus olhos viram um menino atirando flechas na outra margem do rio. O menino parecia não se importar com a tempestade.

A Deusa Ganga surgiu diante de Santanu e disse:

— Este é seu filho, Devavrata. Ele tem recebido ensinamentos do próprio Vasishtha. Leve-o para casa.

Santanu voltou ao palácio com seu filho e declarou-o seu herdeiro.


2. COMO NASCEU A DONZELA SATYAVATHI

Há muito tempo atrás, havia um rei e uma rainha em um lindo e próspero reino.

Possuíam tudo o que seus corações poderiam desejar, menos o que completaria sua felicidade: um filho.

Um dia, enquanto caçava, o rei se perdeu de seus companheiros. Cansado e com sede, chegou por acaso a um riacho. Depois de descansar durante algum tempo, o rei, sem conseguir voltar a seu palácio, pegou seu esperma e depositou-o em uma folha. Depois chamou um pardal e lhe disse para levá-lo a sua rainha.

O pardal subiu para as nuvens para cumprir sua missão. Mas enquanto voava para a capital, onde a rainha aguardava a volta de seu marido, um falcão de repente o atacou. Lutaram durante alguns minutos, mas o falcão, sendo o pássaro mais forte, acabou por vencer a luta e levar a folha embora.

Enquanto o falcão voava com sua folha, encontrou outro falcão, que tentou abrir as garras do primeiro falcão para lhe tirar a folha. Durante a luta, a folha caiu das garras do falcão e foi dar no mar lá embaixo, onde um peixe a engoliu.

Depois de alguns meses, um pescador, que era o chefe de sua tribo, pescou o peixe e abriu-o. Ficou surpreso em encontrar um bebê, uma bela menina, dentro dele. Como não tinham filhos, o pescador e a esposa adotaram a menininha. Chamaram-na Satyavathi. Ela cresceu e se tornou uma linda donzela.


3. SANTANU ENCONTRA SATYAVATHI

Um dia, Santanu saiu para caçar. Enquanto perseguia um cervo, afastou-se de seus companheiros e sentiu um perfume maravilhoso. Seguiu na direção do perfume e logo descobriu que vinha da bela pescadora chamada Satyvathi.

Ele se apaixonou por Satyvathi e procurou o pai dela para pedir permissão para casar com sua filha. O chefe estabeleceu uma condição: se Satyavathi se casasse com Santanu, o filho que tivessem deveria se tornar rei.

Santanu foi pego de surpresa. Não aprovava aquela condição que iria prejudicar seu filho, Devavrata. Devavrata era como um deus — sábio, bondoso, inteligente e sabia usar bem as armas.

Santanu voltou ao palácio, pálido de tristeza. Ficou doente e não se importava com mais nada, nem mesmo com seu reino. Só conseguia pensar na filha do pescador, Satyavathi.

Devavrata ficou triste ao ver seu pai assim e perguntou ao cocheiro do rei qual era o motivo daquele estranho comportamento. Após saber da história, Devavrata foi conversar com o pai de Satyavathi e jurou que jamais reclamaria o trono.

O pescador disse:

— Seu filho com certeza usurpará o reino de meu neto.

Devavrata jurou que jamais se casaria. Os deuses do céu lançaram flores sobre ele, gritando "Bhishma, Bhishma".

Desse dia em diante, Devavrata ficou conhecido como Bhishma, aquele que faz um juramento terrível. Bhishma levou Satyavathi para o palácio e contou ao pai tudo o que havia acontecido. Santanu, muito contente, concedeu a Bhishma a bênção de poder escolher o dia de sua própria morte.

Assim, Satyavathi e Santanu se casaram.


4. AMBA

Satyavathi deu dois filhos a Santanu, um chamado Chitrangada e o outro, Vichitraveerya.

Quando Santanu morreu, Chitrangada passou a reinar, mas foi morto por um gandharva3 e não deixou herdeiro para o trono. Como Vichitraveerya era apenas uma criança, Bhishma governou o reino em seu lugar. Estranhamente, Vichitraveerya não era muito forte, apesar de descender da raça dos guerreiros. Quando Vichitraveerya chegou à idade de casar, Bhishma começou a procurar uma noiva para ele. Um dia, Bhishma foi a um swayamvara — cerimônia em que as princesas escolhem seus maridos. Esse não era um swayamvara comum.

Bhishma tinha de lutar com todos os príncipes que por lá apareciam para ganhar três noivas. Mesmo assim, venceu todos eles e ficou com as três pretendentes — Amba, Ambalika e Ambika.

Quando voltaram a Hastinapura, Amba foi até Bhishma e lhe disse que já estava comprometida com alguém chamado Salva, mas que ele a havia rejeitado. Ela implorou a Bhishma:

— Deixe eu ser sua esposa.

Mas Bhishma respondeu:

— Como posso quebrar o juramento que fiz a minha mãe, Satyavathy? Volte para Salva, pode ser que ele a aceite desta vez.

Mas ele estava enganado. Salva rejeitou Amba por ela ter sido conquistada por outra pessoa.

Novamente rejeitada, Amba ficou tomada pelo sentimento de vingança e desejou a morte de Bhishma.

Ela vagou por muitos reinos, pedindo a bravos reis e príncipes para lutarem contra Bhishma. Mas ninguém estava disposto a aceitar o desafio, pois sabiam que ele era muito bom guerreiro e podia escolher o momento de sua morte.

A alma de Amba transbordou de tristeza. Ela odiava todo o mundo, especialmente Bhishma. Por isso, Amba fez penitência para o Deus Shiva e conseguiu a graça de poder ser a causa da morte de Bhishma.

O Deus Shiva disse a Amba que ela iria nascer como filha do rei Draupada. Um dia, o rei Draupada organizou um yagna4 para conseguir um filho. Amba ouviu falar nisso. Então, deixou uma corrente no portão do palácio para lembrar-se, quando fosse mais velha, por que havia nascido.

Amba entrou no palácio, correu pelo salão onde o yagna estava sendo realizado e pulou no fogo. Apesar de seu corpo mortal haver morrido, seu desejo imortal e seu juramento permaneceram.

Leia mais
  • Leituras Cruzadas: Religião para crianças
  • Mahabharatha tem versão escrita por criança

         

  • Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).