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16/12/2003
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03h28
Gilson Schwartz: Moedas podem ser inteligentes
GILSON SCHWARTZ colunista da Folha de S.Paulo
O Brasil tem muita experiência na criação de moedas. Várias foram criadas tanto para conviver com a inflação como para combatê-la. Fazer conversão entre moedas tornou-se algo bem presente para milhões de brasileiros, que já viram muitas vezes os efeitos na renda e no emprego provocados pela escalada do dólar e dos juros.
De plano em plano, cruzado, cruzeiro, real, a inflação afinal caiu, mas o desenvolvimento não chegou. Sempre se diz que primeiro é preciso estabilizar, para depois crescer.
Mas se é possível criar moedas para combater a inflação, por que não criar moedas para combater outros males estruturais da sociedade brasileira? Moedas para ativar o crescimento, dinheiro que sirva para estimular mudanças estruturais, e não apenas para estabilizar os preços.
Para a maioria dos economistas, o crescimento virá quando os juros caírem. Uma moeda que servisse para estimular o crescimento seria uma espécie de pedra filosofal de uma nova teoria econômica. Impossível? Não para os teóricos e técnicos envolvidos com as chamadas "moedas complementares".
O dinheiro convencional é um instrumento anônimo, cego, surdo e mudo. É tratado nas equações da macroeconomia como uma quantidade cujo valor reflete sua escassez relativa. As moedas complementares, no entanto, são moedas em que a dimensão qualitativa do valor fica em primeiro plano. Elas estão além do mundo da escassez.
Já existem milhares de moedas complementares em todo o mundo. Um de seus mais ardorosos e competentes defensores é Bernard Lietaer, ex-diretor do Banco Central da Bélgica, consultor de multinacionais e um dos pais do euro. Ele tem defendido a criação de um sistema econômico baseado na "abundância sustentável".
A elite mundial já tem acesso a moedas complementares. Basta pensar nos programas de milhagem das empresas aéreas. São títulos emitidos por empresas privadas que permitem aos seus detentores o exercício de direitos de compra de passagens e outros bens e serviços.
Em situações mais graves, como na crise argentina, a saída foi criar redes de troca. Em comunidades carentes, cupons são emitidos para estimular novas possibilidades de cooperação. A internet, em especial nas redes P2P (como Napster e Kazaa), também abre novas perspectivas de organização dos mercados e de geração de valor. A capacidade de controle dos bancos centrais sobre as moedas digitais ainda é uma questão polêmica.
Se existe alguma esperança no surgimento de uma "inteligência coletiva", a criação de novas moedas compatíveis com o crescimento econômico é o desafio número um.
Gilson Schwartz, 43, coordena a Rede Pipa Sabe (www.cidade.usp.br/pipa), projeto no Rio Grande do Norte que funciona com base na emissão de uma nova moeda complementar, o "garatuí".
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