Folha Online sinapse  
27/01/2004 - 02h58

Perfil: Gente do céu

DANTE GRECCO
free-lance para a Folha de S.Paulo

A astrofísica brasileira Beatriz Barbuy alcançou o céu. O caminho para o alto começou na adolescência, quando uma leitura de férias despertou sua paixão pelos astros. "Eu devia ter uns 15 anos, ainda não sabia o que queria fazer no futuro. Adorava ler. Até que meu irmão ganhou o livro 'Um, Dois, Três... Infinito', do físico russo George Gamow [1904-1968]. Depois de devorá-lo, decidi que seria astrônoma." Foi o primeiro dos muitos livros de divulgação científica que a garota leu, naquele final dos anos 60. Para concretizar sua decisão, Beatriz, hoje reconhecida como uma das melhores cientistas do país, teve de trocar o curso clássico (equivalente ao ensino médio), mais forte em humanas, pelo científico, mais puxado em exatas. "Estudei muito, e depois disso nunca mais parei. Naquela época, todo mundo queria seguir uma carreira. A gente acreditava no trabalho. Hoje, muito jovem não acredita", compara.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
A astrofísica Beatriz Barbuy, em frente ao prédio do IAG, no campus da USP

Paulistana, solteira, 53, é professora titular do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) e vice-presidente da UAI (União Astronômica Internacional).Tímida, de gestos contidos e voz suave, a pesquisadora é daquele tipo de pessoa que demora um pouco para se soltar. Dona de um belo par de olhos azuis, ela se diz vaidosa: "Mas na maior parte do tempo não dá para eu me dedicar a isso". Para falar sobre si mesma, é lacônica. Mas, se o assunto é astronomia, a atmosfera é outra.

Depois de estudar muito, Beatriz entrou em física na USP. O ano era 1969. Em 1972, iniciou o mestrado no IAG-USP, onde hoje é professora. Quatro anos depois, foi para a Europa. "Aqui no Brasil, a astronomia era meio incipiente na época. Fiquei lá cinco anos. Foi difícil. Mas fazer o doutorado na França me colocou na boa trilha", lembra.

Boa trilha significa que lá ela começou a se aprofundar no estudo de estrelas e galáxias. Mais detalhadamente, na investigação dos elementos químicos presentes em diversas populações estelares, tanto da Via Láctea, como de galáxias próximas (as Nuvens de Magalhães) e distantes. Além disso —o que não é pouco—, a astrofísica se dedica ao estudo dos chamados "gamma ray bursts", nome dado às violentíssimas explosões de estrelas que liberam alta energia pelo espaço.

Raio-X

Nome: Beatriz Leonor Silveira Barbuy
Nascimento: 16 de fevereiro de 1950, em São Paulo
Profissão: astrofísica, professora titular do IAG-USP desde 1997
Formação: graduada em física pela USP, mestre em astronomia pelo IAG e doutora pela Universidade de Paris VII
Produção acadêmica: orientou nove teses de doutoramento e cinco dissertações de mestrado. Tem 140 artigos em revistas indexadas internacionalmente. Na Nasa (agência espacial americana), são cerca de 280 citações
Viagens: fez pesquisas em institutos na Califórnia (EUA), em Munique (Alemanha), em Cambridge (Reino Unido) e, mais freqüentemente, no Observatório de Paris. Realizou cerca de 40 missões de observação no ESO (European Southern Observatory), no Chile. Participou de programas de observação do telescópio espacial Hubble
Música preferida: dos anos 70 e ópera, principalmente Verdi
Hobbies: natação, cinema
Livro de cabeceira: "Tenho pouco tempo para leitura, mas gosto de psicologia, Freud"


Ao lado de outros pesquisadores, Beatriz Barbuy participou de um importante estudo, publicado em 2001 na revista científica britânica "Nature". Na época, os cientistas identificaram uma das mais velhas estrelas da Via Láctea: ela tinha 12,5 bilhões de anos. Um ano depois, o estudo foi reavaliado, e o astro ficou 1 bilhão de anos mais velho. Ainda em 2002, uma nova pesquisa conduzida por outro grupo de cientistas confirmou a idade daquela estrela.

Normalmente, as pessoas pensam que um astrônomo só trabalha quando passa a noite em claro, nos observatórios, olhando as estrelas por meio de um telescópio. Errado. O cotidiano é muito diferente disso. Em alguns casos, o cientista nem sai de sua sala, na universidade ou no instituto de pesquisa. Algumas observações já podem ser feitas com o uso de um computador conectado, via internet, a um observatório. Lá, um outro pesquisador faz a calibragem do telescópio e as informações retornam pela rede. Isso não significa que fazer astronomia é fácil. Pelo contrário. É uma carreira muito dura, competitiva.

A rotina de Beatriz Barbuy é puxada. Quando está no Brasil, chega ao prédio do IAG por volta das 7h e só sai depois que o sol se põe. Em sua pequena sala, no terceiro andar da instituição, ela atende alunos, troca e-mails com cientistas, analisa propostas de pedido de observação nos telescópios e acompanha os vários projetos que coordena.

Um deles é o Programa do Instituto do Milênio para Evolução de Estrelas e Galáxias na Era dos Grandes Telescópios, que envolve 19 instituições brasileiras, como a USP, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Os recursos, R$ 3,1 milhões, vêm do Ministério da Ciência e Tecnologia. O programa tem dois objetivos. Um é divulgar o conhecimento de astronomia entre estudantes brasileiros e, para isso, um CD-ROM informativo já foi distribuído em 10 mil escolas do país. O outro é reunir os principais centros de pesquisa do Brasil, investir em tecnologia e desenvolver instrumentos de precisão para observação astronômica, principalmente nos telescópios que fazem parte dos programas Gemini e Soar. O Gemini é um consórcio para pesquisa do qual participam os Estados Unidos (que entraram com 50% dos recursos), a Grã-Bretanha (25%), o Canadá (15%), a Austrália (5%), a Argentina (2,5%) e o Brasil (2,5%). Como o nome sugere, é formado por dois telescópios: um fica na montanha Mauna Kea, no Havaí, o outro, no monte Cerro Pachón, no Chile.

Já o telescópio Soar (Southern Observatory for Astrophysical Research), também instalado nos Andes chilenos, é uma parceria entre Brasil e Estados Unidos (leia mais na seção "Caminho das Pedras", à pág. 24).

"Tanto o Gemini como o Soar abrem perspectivas de observações inéditas em vários ramos da astronomia. O impacto dos resultados deverá ser igual ao provocado, na década de 90, pelo Telescópio Espacial Hubble. E o mais importante: o Brasil participa dos dois projetos", diz a pesquisadora, entusiasmada. Beatriz Barbuy tem reconhecimento internacional na sua área. No último congresso, realizado em julho de 2003, ela foi nomeada vice-presidente da UAI, entidade que reúne 10 mil membros de 67 países. Isso significa que participará dos novos passos da astronomia. No mesmo congresso, que aconteceu em Sydney (Austrália), definiu-se também que o Rio de Janeiro sediará a assembléia geral da UAI em 2009.

"Não esperava por isso. Essa indicação tem uma grande importância política para o Brasil, pois é o resultado do investimento feito pelo CNPq (Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) na astronomia. Isso demonstra que chegamos lá", diz.

De fato. Hoje, a astronomia brasileira, que conta com 130 doutores empregados, já tem presença respeitável no cenário científico mundial.

Quando participa de palestras no Brasil ou na Europa, Beatriz sempre tem de responder a uma mesma pergunta: Por que a astronomia é importante? "É senso comum as pessoas acharem que não leva a nada estudar astronomia. Mas as convenço de que estão enganadas", afirma.

Primeiro, ela conta que as transmissões via satélite, por exemplo, só são possíveis porque, em 1610, o astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) descobriu que a Terra girava em torno do Sol. E não o contrário, como a Igreja Católica queria acreditar. "Se hoje existem satélites que transmitem jogos de futebol ao vivo, antes foi preciso entender muito bem o movimento da órbita da Terra. Isso é astronomia pura."

Quando não está trabalhando, Beatriz gosta de ir à praia e ao cinema. Adora natação, mas pratica pouco. Na tela, prefere produções italianas dos anos 70, comédias e filmes do diretor Ettore Scola.

Brilhando numa seara onde os números mostram certo equilíbrio entre homens e mulheres (no seu departamento são 12 professoras, para um total de 21, e na Sociedade Astronômica Brasileira, as mulheres representam 42% dos membros), a cientista diz nunca ter sofrido discriminação. Mas opina: "Creio que as mulheres têm de fazer alguma coisa mais que os homens para serem bem reconhecidas como profissionais".

Leia mais
  • Caminho das Pedras: Para ouvir, ver e entender estrelas
  • Treze olhares para entender as estrelas
  • Teste: A ciência do século 20

         

  • Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).