Folha Online sinapse  
17/02/2004 - 03h00

Leia trecho do livro "Patas na Europa"

da Folha de S.Paulo

Leia abaixo trecho do livro "Patas na Europa" (Mantiqueira, 128 págs., R$ 19), de Antonio F. Costella, livro citado na seção "Leituras Cruzadas" do Sinapse de fevereiro de 2004.

1. A travessia

Minha travessia aérea do Brasil para a Europa foi, autenticamente, uma viagem de cão.

No aeroporto, obrigaram-me a entrar em uma caixa de madeira compensada, cujo teto arredondado ficava a um palmo acima de minha cabeça. Logo que entrei, fecharam e trancaram a porta, mas não puseram muita fé no trinco, pois enfaixaram a caixa com várias voltas de uma larga fita adesiva. Trancado, passei a espiar o mundo através de uns orifícios redondos que, longe de serem janelas, eram simples respiros para ventilação. Eram três em cada parede e também três na porta, pequenos, com o diâmetro de um ovo, permitindo-me visão muito limitada. Depois, colocaram a caixa, comigo dentro, na carreta de bagagens, puxada por um trator para perto do enorme avião, no qual viajei em meio a malas e pacotes, no porão.

Assisti a todas essas manobras aturdido, algo sonolento, porque meia hora antes do embarque fizeram-me ingerir duas drágeas de calmante. No entanto, quando os motores do avião foram acionados, o calmante danou-se. Arrepiei-me todo e coloquei-me em guarda à espera do "monstro-rosnador" que imaginei aproximar-se. No início da decolagem, o rugir das turbinas quase me levou a um colapso nervoso. Pensei que o mundo ia explodir. E bom tempo passou, depois de o avião ter ganho altura, até que, do terrível pavor, eu voltasse ao nível do simples e corriqueiro medo.

Afinal, era minha estréia em viagem de avião.

Falando com franqueza: eu nem sabia o que era um avião. Se agora consigo descrever os trâmites desse primeiro embarque, é porque outras viagens levaram-me, aos poucos, a compreender a natureza daquele gigantesco monstro de lata e, só mais tarde, cheguei a acreditar que tal coisa pudesse voar.

Era tudo tão novo para mim na primeira viagem, que até mesmo entrar em uma caixa de madeira espantava-me, pois, diferentemente do que aconteceu com colegas meus, nunca tive casinha no quintal. Sempre dormi na biblioteca, refestelado em um pequeno tapete felpudo e macio, só meu. Logo que a caixa apareceu lá em casa, pressenti que algo de errado estava para acontecer. Primeiro, tentaram empurrar-me para dentro dela, mas resisti. Passaram, então, a colocar meu prato de comida no interior da caixa, para que me sentisse estimulado a entrar. Como meu pescoço é comprido o bastante para que eu, mesmo com as quatro patas fincadas do lado de fora, alcançasse a comida, mudaram de tática. À noite, puseram meu tapete felpudo dentro da caixa. Só fizeram isso uma vez, pois de manhã encontraram-me dormindo no sofá, o que era, e continua a ser, terminantemente proibido. Tanto me pressionaram, que resolvi colaborar um pouco. Deixei que me enfiassem todos os dias dentro da caixa, onde ficava trancado por alguns minutos, enquant
o me explicavam, com voz amiga, ser necessário acostumar-me com aquela situação, para meu próprio bem.

De fato, diziam a verdade e explico o porquê.

Como cachorro, sou um animal essencialmente gregário. Na natureza, nós, cães, vivíamos em comunidades, denominadas matilhas, pois sempre caçamos em grupo, compensando, com a quantidade, a pequenez de nosso tamanho. Ora, os homens pré-históricos também caçavam em grupos e acabaram por perceber que, associando-se a nós, teriam maior possibilidade de êxito. Daí, há mais de 10.000 anos, iniciou-se nossa parceria com os humanos, uma parceria de trabalho. Assim, por seu gregarismo, meus ancestrais deixaram-se domesticar facilmente, trocando a matilha canina pela matilha humana. (Os humanos preferem chamar sua matilha de "sociedade", quando grande, e de "família", quando pequena.) Mas, voltemos à questão. Meu gregarismo, portanto, é atávico e faz com que eu seja apegado à matilha humana à qual pertenço. O problema é que sou apegado demais, neuroticamente demais. Esse apego exagerado talvez se explique, em parte, pelo fato de ela ser pequena, o que nos leva a ser fortemente unidos. Minha matilha se compõe de somente
três pessoas: o chefe (não há matilha sem chefe), a mulher do chefe e eu. Ao longo do livro, vou referir-me a eles como "padrinho e "madrinha", o que me parece bastante afetuoso. Se for necessário encurtar alguma frase, em vez de "meu padrinho" escreverei "MP". Quanto a mim, chamam-me Chiquinho, porque nasci em 4 de outubro, dia de São Francisco, um santo muito amigo dos animais.

Vim ao mundo na casa de meus padrinhos. Quando completei um mês de idade, minha mãe me rejeitou, talvez por farejar em meu pelo muito cheiro de humanos, pois eu já os freqüentava. A rejeição selou meu destino: bandeei-me em definitivo para a matilha humana. Nem consigo lembrar-me das feições de meus irmãos, cujo destino, aliás, desconheço. Minha mãe, por sua vez, logo depois faleceu. O vínculo afetivo que me prendeu à matilha humana tornou-se sólido e, com o passar do tempo, veio a ser tão imperioso, tão esmagador, que na ausência de meus padrinhos fico triste a ponto de perder o apetite. Se por acaso eles saem, os dois, e eu fico sozinho com a empregada - a empregada pertence a outra matilha e, por isso, não dorme em nossa casa - assalta-me tamanha melancolia que não consigo comer nada, ainda que ponham carne em meu prato. Pois bem, foi esse condicionamento extremado que me levou a viajar.

O veterinário, peremptório, não deixou margem a dúvidas:

- Se não levarem este animal com vocês, ele morrerá.

Daí, eu viajei. E muito.

O leitor já sabe: minha primeira grande viagem teve como destino a Europa.

Reconheço que motivei uma trabalheira danada nos dias anteriores ao embarque, mas a culpa não foi minha. Culpados foram os legisladores federais incapazes de regular de modo racional uma viagem de cachorro. Em vez de franquear-me passaporte, a lei, manifestamente humanistóide, constrageu-me ao humilhante enquadramento de "exportação de animal". Vejam só! Viagem turística de cachorro é exportação de animal. E com todas as complicações usuais da burocracia.

Primeira providência: levaram-me à presença de meu veterinário que, depois de submeter-me a exame clínico geral, passou um atestado de sanidade e de vacinas. Esse documento teve que ser apresentado ao Ministério da Agricultura. Notem bem: da Agricultura.

Senti-me uma erva.

Fiquei possesso.

Que os bois e as vacas aceitem essa humilhação, problema deles. mas eu não! Não sou um pé de couve. Sou um animal e me orgulho disso. Que tenho a ver com a agricultura?

Depois, constatei que, no dicionário do Aurélio, agricultura vem conceituada como "conjunto de operações que transformam o solo natural para produção de vegetais e animais úteis ao homem". Produção de animais úteis ao homem tem a ver com agricultura, afinal. Além do Aurélio, a etimologia da palavra agricultura colaborou para apaziguar meu ânimo. (Não se espantem com minha erudição. Já mencionei que sempre dormi da biblioteca. Criei, por isso, familiaridade com os livros e com a cultura humana.) O "Grande Dicionário Etimológico e Prosódico da Língua Portuguesa", de Silveira Bueno, informa: "agrícola" vem do latim "ager", que significa "campo", e "cola", do verbo também latino "colere", que tanto indica "habitar", como "cultivar". Ora, quem "habita" no campo, mexe com plantas... e igualmente com animais.

Vá lá!

Mas deixo aqui uma proposta em favor dos direitos caninos. O Ministério da Agricultura bem que poderia criar um departamento de cinofilia, fazendo-o expedidor de um documento de ir-e-vir de cães: o passaporte canino. Afinal, há milhares de anos os cães participam da vida dos humanos, acompanhando-os passo a passo. Quando uma família leva consigo o cachorro em viagem, é óbvio que o trará de volta. O mesmo amor que a faz levar, a faz trazer de volta. É ridículo, portanto, classificar esse cão como "produto exportador", tal qual um touro guzerá ou uma cabra nubiana. Bem ao contrário, ele é um membro da família, da matilha humana.

Feitas essas observações, voltemos ao assunto.

No Ministério da Agricultura, recolheram o atestado de meu veterinário e forneceram, em troca, um "Certificado Zoosanitário Internacional", assinado por veterinário do governo, cuja assinatura precisou ser reconhecida em tabelião e também no consulado do país de destino, no meu caso, Portugal.

De acordo com a lei, todas essas providências somente podem ser tomadas nos últimos oito dias que antecedem o embarque. O prazo exíguo causa penosa ansiedade aos donos de cachorros viajantes. A ansiedade, aliás, persiste até o momento do embarque, pois nessa ocasião o "animal exportado" deve ser, ainda uma vez, vistoriado pelo veterinário plantonista do aeroporto, que tem o poder de, no último momento, impedir a viagem, caso encontre alguma irregularidade na saúde do bicho.

Tive sorte. Examinou-me uma veterinária simpática, que até me brindou com afagos na cabeça. Carimbou o que devia carimbar, assinou o que devia assinar e, pronto, liberou-me.

Levaram-me ao jardim do aeroporto para os últimos xixis, fizeram-me ingerir as drágeas do calmante e trouxeram-me de volta ao saguão de embarque, onde ficamos sentados, os três, à espera do vôo. Meia hora depois, enfiaram-me na caixa de madeira e a colocaram na balança do "check in". O visor marcou 30 quilos. Vinte e dois eram meus; os restantes, da caixa. Para efeito de pagamento, prevaleceram os 30 quilos. Meu transporte custou, de São Paulo a Lisboa, trinta por cento de uma passagem humana, ou, em outras palavras, meu padrinho pagou um por cento de uma passagem, como a sua, para cada quilo de cachorro transportado. Só ida, sem volta e sem refeições. E no porão. Positivamente, é um desestímulo ao turismo canino. Se, pelo menos, permitissem ao animal viajar na cabine! Não. Só o permitem para cães com menos de sete quilos. Os demais não têm alternativa: viajam no porão. É desumano! Viagens do Brasil à Europa costumam demorar mais de dez horas. Durante todo esse tempo, o cão transportado - caso pese mais de se
te quilos - fica isolado, totalmente isolado em um ambiente estranho. Não pode ouvir a voz do dono, nem este pode saber como está passando o seu cão. Repito: é desumano e, se me autorizam o neologismo, é descanino! Por que não permitir que o animal viaje na cabine? Alguém dirá: ele não se comportará de modo conveniente. Ora, mesmo na cabine, o cão ficaria dentro da caixa, fechado, e não poderia incomodar ninguém. De mais a mais, ainda que viajasse solto, jamais se ouviria falar de seqüestro de aeronave de autoria canina ou de arruaças por ingestão excessiva de uísque, nem tampouco um cão poluiria o ar com fumaça de cigarro. Oh, seres humanos, ponham a mão na consciência!

Não posso descrever o desembarque em Portugal porque cheguei desacordado. Os ruídos, a solidão, a sede, o medo e, por fim, o cansaço estressaram-me de tal modo que, nalgum momento da travessia, mergulhei em sono profundo, quase um desmaio. Recobrei os sentidos na sala de bagagens do aeroporto de Lisboa, ouvindo as vozes de meus padrinhos, chamando por mim. Eles romperam a fita adesiva (segundo vim saber, com os balanços do vôo o trinco correu e foi a fita que manteve a porta fechada), abriram a porta e, quando levantei e sai, espreguiçando-me percebi que respiraram aliviados. À coleira, afivelaram minha correia que, em Portugal, chama de "trela". Ali mesmo, no saguão de desembarque, bebi imensa quantidade de água, que minha madrinha foi buscar no banheiro do aeroporto, em várias idas e vindas, com minha vasilha de refeições.

Em sala à parte, esperava por mim um senhor alto e magro, um pouco calvo, quase solene: o veterinário português.

Sentenciou, enérgico:

- Ao sair à rua, o cão deve ser sempre levado à trela.

Examinou-me, cobrou uma taxa e passou o atestado de ingresso em território lusitano.

Lá estava eu, legalmente, na Europa.

Depois de apanhar as bagagens, passar pela alfândega, trocar dólares por escudos e levar-me fazer xixi, a providência imediata de meu padrinho, ainda no aeroporto, foi alugar um automóvel.

Senti-me homenageado.

Não fosse por minha presença, meus padrinhos talvez optassem pelo trem, como haviam feito em viagens anteriores, quando eu ainda não era nascido. No entanto, levar cachorro por via férrea, embora permitido, não é cômodo. Em conseqüência, por minha causa - vejam só! - a solução programada foi viajar de carro.

No porta-malas acomodaram-se todos os volumes, menos minha prisão de vôo, isto é, a caixa de madeira, por ser muito grande. O funcionário da locadora de autos comprometeu-se a guardá-la na garagem da empresa, até nosso retorno. Minha bagagem - uma sacola de plástico contendo o tapete felpudo, um peitoral e duas trelas, um agasalho de lã, minha vasilha de alumínio, escova para meus pelos e um pacote de ração - foi colocada dentro do carro, aos pés do banco traseiro, sobre o qual de imediato eu me acomodara.

Estávamos prontos para partir, quando minha madrinha teve a benemérita lembrança de me dar comida. Eu não comia há cerca de 16 horas! Contrariando meus hábitos, pois costumo comer vagarosa e educadamente, devorei, sôfrego, um bom punhado de ração e várias guloseimas que, durante o vôo, oferecem só aos humanos e que ela oportunamente guardara para mim em sua bolsa.

Meu padrinho deu a partida e lá fomos nós para o centro de Lisboa, atravessando a manhã fria, mas ensolarada. Que emoção! Em pé no banco, eu olhava para um lado, olhava para o outro, degustando cada segundo do passeio.

Informo ao leitor que, para mim, passear de automóvel é um enorme prazer. Desde meu primeiro mês de vida, após a rejeição materna, acompanhei sempre meus padrinhos em suas viagens rodoviárias através do Brasil, que são, aliás, muito freqüentes. Viajei tanto e acostumei-me de tal modo ao automóvel, que o considero um pedaço de meu território, uma extensão do meu dormitório-biblioteca, um sucedâneo da casinha, que nunca tive, no quintal. Sou tarado por automóvel também por outro motivo. Nós, os cães, somos baixos em comparação com os humanos, cujo corpo tem a forma esdrúxula e cilíndrica de um poste. Vai daí, que um homem de um metro e setenta centímetros de altura vê o mundo "do alto", enquanto meus olhos situam-se, normalmente, a menos de dois palmos acima do chão. Ora, quando passeio de automóvel, trepado no banco, vejo "do alto", meu horizonte visual cresce e descubro um mundo mais rico, surpreendente, emocionante.

Ao deixarmos o aeroporto, nosso objetivo imediato consistia em apanhar as chaves do apartamento no qual haveríamos de passar a noite. O proprietário era um amigo português que, embora morando no Brasil há trinta anos, mantinha na "santa-terrinha", por sentimentalismo, aquela segunda residência, fechada quase sempre. O depositário da chave, um tio do referido amigo, residia no centro antigo de Lisboa. Foi longo o percurso. Por fim, chegamos às vizinhanças da estação ferroviária de Santa Apolônia, junto ao Tejo, a partir da qual começamos a subir as ruas estreitas e tortuosas do antiquíssimo bairro da Alfama. Por um cipoal viário, ladeado de sobradões vetustos agarrados às encostas escarpadas, chegamos ao endereço procurado, que, por sinal, ficava no ponto mais alto do morro, no topo, bem defronte ao portão de ingresso às ruínas do Castelo de São Jorge.

Estacionado o carro, MP dirigiu-se a um sobrado de três andares, velhíssimo, pintura ocre parcialmente desbotada, enquanto minha madrinha e eu fomos visitar o castelo.

Ali nasceu Lisboa. Segundo uma lenda, àquele lugar teria chegado Ulisses, o grego, em uma das paradas de sua odisséia de regresso a Ítaca e aos braços de Penélope. Mais aceitável é outra estória, segundo a qual os fenícios foram seus primeiros ocupantes. Grandes navegadores da Antigüidade, eles se arriscaram a ultrapassar os limites do mar Mediterrâneo e, subindo para o norte pelo misterioso mar aberto, o Atlântico, teriam chegado à foz do rio Tejo. No mesmo topo, aquartelaram-se depois, sucessivamente, muitos conquistadores: romanos, visigodos, árabes, até que estes últimos foram expulsos por D. Afonso Henriques, o fundador de Portugal, em 1147.

Logo ao ultrapassarmos o portão do parque do castelo, seguimos por uma alameda calçada com pedras e atravessamos pequeno, mas delicioso bosque. Árvores! Árvores para o meu xixi! (Tudo o que há no mundo, construído pelos homens, somente atende às conveniências humanas. Os aeroportos oferecem banheiros, mas não árvores. Por isso, meu primeiro xixi ibérico, feito às pressas no estacionamento do aeroporto, fora insatisfatório.) É fácil adivinhar que, ao chegarmos ao final da curta alameda, eu me sentia outro e, aliviado, comecei a apreciar muito mais o passeio.

Vimos, à nossa direita, as grossas paredes de pedra (só restam as paredes, sem telhado) da enorme construção arruinada pelos séculos e, à esquerda, o parapeito de onde se descortina vista panorâmica sobre Lisboa. É óbvio: todos os conquistadores lutaram por aquele sítio por motivos estratégicos. Dali, ampla visão domina toda a embocadura do rio Tejo, podendo distinguir, ao longe, a Torre de Belém, sentinela de pedra fincada no século dezesseis para controlar o acesso de navios ao porto. Retrocedendo o olhar, vê-se a Ponte "25 de Abril", que já se chamou "Salazar" antes de 1974, com seus 2.278 metros sobre o Tejo. (É a mais extensa da Europa, embora, mesmo assim, seja 272 metros mais curta que a nossa "Maurício Joppert" sobre o rio Paraná, onde se ligam os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.) Depois, a vista percorre a parte antiga da cidade que se estende aos pés do morro, divisando-se, da esquerda para a direita, a Praça do Comércio, outrora Terreiro do Paço, junto ao cais; em seguida, os quarteirões
retangulares desenhados por Pombal após o terremoto de 1755; até chegar à Praça do Rossio, onde se ergue a estatua de D. Pedro Quarto, o nosso D. Pedro Primeiro, do Brasil. Por fim, o olhar se perde, à direita, no casario que acompanha a avenida da Liberdade.

A propósito da estatua do Rossio, dizem as más línguas, que aquele não é D. Pedro, nem quarto, nem primeiro. Encomendada originalmente para retratar Maximiliano, do México, perdeu a serventia antes de ser inaugurada, em conseqüência da derrocada política e assassinato do retratado. Daí, comprou-a a preço de sucata o Concelho de Lisboa e rebatizou-a com o nome de D. Pedro. A glória continua a mesma. Menor foi o gasto.

Quando retornamos do passeio, MP nos aguardava junto ao carro, impacientes e contrariado. A chave do apartamento mudara de guardião: encontrava-se na casa de uma sobrinha do português amigo, no extremo oposto da cidade, perto do aeroporto, de onde viéramos pouco antes. Meu padrinho, que visitara o Castelo de São Jorge em viagem anterior, nem cogitou de revê-lo e, apressadamente, nos fez entrar no automóvel.

Deixamos Alfama e, em longo itinerário, atravessamos outra vez toda a cidade. Embora o percurso coincidisse em parte com o que fizéramos antes, só então percebi que há duas Lisboa: aquela central, antiga, atravancada, carregada de História, e uma outra, arejada, prática, de prédios modernos.

Depois eu viria a descobrir que essa dicotomia se repete em quase todas as maiores cidades européias.

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