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30/03/2004 - 03h10

Comunidade Européia reage contra fuga de cérebros

FERNANDO EICHENBERG
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Paris
ROGERIO WASSERMANN
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Londres
SILVIA BITTENCOURT
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Heidelberg (Alemanha)

"Salvemos a pesquisa." Com esse apelo, uma petição lançada em 7 de janeiro, na França, reuniu, em menos de dois meses, mais de 70 mil assinaturas de pesquisadores e cientistas —em adesão ao movimento, mais de 1.300 diretores e 2.000 chefes de equipe pediram demissão de seus cargos em institutos de pesquisa franceses.

Acrescentado o apoio de cidadãos comuns, esse número já atingiu mais de 280 mil nomes. O alcance da iniciativa revelou o descontentamento da categoria com as atuais condições de carreira e trabalho no país.

A fuga de cérebros para o exterior é um dos problemas graves que a Europa enfrenta hoje. Segundo a Comissão Européia, cerca de três quartos dos europeus que obtiveram um título de doutorado nos EUA de 1991 a 2000, aproximadamente 11 mil, não têm a intenção de retornar. As razões para o exílio voluntário são claras: melhores condições de trabalho, melhores perspectivas de carreira, acesso a tecnologias de ponta e mais liberdade para a pesquisa (leia texto à pág. 12).

Após 13 anos trabalhando como pesquisador na área de biologia molecular, o inglês Karl Gensberg, 41, pretende abandonar a carreira acadêmica no mês que vem, quando termina seu contrato temporário com a Universidade de Birmingham (Inglaterra), e adotar uma nova profissão: encanador. A razão? A possibilidade de ganhar até o dobro do que obtém como pesquisador, £ 23 mil por ano (cerca de R$ 130 mil). O caso de Gensberg foi explorado à exaustão no mês passado pela mídia britânica.

Esse é apenas um exemplo de como a crise do setor vem atingindo o continente. A fuga de cérebros tem causado, sem trocadilho, muita dor de cabeça. A origem principal do problema tem sido apontada como a diferença de recursos. Em 2000, os EUA investiram em pesquisa e desenvolvimento o equivalente a e 121 bilhões (cerca de R$ 450 bilhões) a mais que a União Européia.

Além disso, a prática de investimentos privados em pesquisas nas universidades públicas, generalizada nos EUA, ainda é incipiente na Europa —em 2000, as empresas européias investiram em pesquisa e desenvolvimento e 79 bilhões (cerca R$ 295 bilhões) a menos que as companhias norte-americanas. Para corrigir isso, um dos objetivos da União Européia é, até 2010, passar do atual 1,9% do PIB investido no setor para 3%, sendo dois terços financiados pelo setor privado.

Na Alemanha, que tem 20 mil jovens trabalhando em instituições científicas dos EUA —país onde também estão três dos quatro cientistas alemães que ganharam o Prêmio Nobel nos últimos anos—, o governo e a iniciativa privada estão se unindo.

No ano passado, foi criada a GSO (German Scholars Organization), instituição liderada por empresários e pesquisadores com o objetivo de reconquistar os cientistas alemães que estão fora do país. Voltada para doutores e pós-doutores, a GSO coloca os cientistas em contato com empresas e instituições de pesquisa e mantém um site (www.gsonet.org) com uma bolsa de empregos. "Infelizmente, são os nossos melhores cientistas que não voltam", diz Wolfgang Benz, vice-presidente da GSO.

O governo alemão também tem criado prêmios e rankings que destinam mais dinheiro à pesquisa nas universidades. Uma das medidas do governo pretende abrir portas para a carreira dos jovens cientistas com a chamada "cátedra júnior".

A cátedra substitui o longo processo da habilitação acadêmica. Para cada professor júnior que uma universidade contrata, ela recebe do governo federal e 60 mil por ano. Das 800 vagas destinadas à "cátedra júnior", porém, apenas 350 foram ocupadas até agora, 15% das quais por cientistas alemães vindos do exterior.

Apesar dos desafios, nem tudo está perdido. No Reino Unido, o "brain drain" (fuga de cérebros) acabou gerando um efeito colateral positivo: o "brain gain" (ganho de cérebros). As lacunas geradas pelo êxodo dos cientistas britânicos estão sendo preenchidas por cientistas de outros países, geralmente vindos de suas ex-colônias, como a Índia, o Paquistão e a Nigéria. Para eles, os salários e condições de trabalho são muito melhores que os de seus países de origem.

Para o biólogo Peter Cotgreave, diretor da Save British Science Society (Sociedade Salve a Ciência Britânica), a circulação de cientistas entre os países é parte essencial da boa ciência. "O problema surge quando isso se torna um caminho de uma só mão."

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