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29/06/2004 - 03h08

Pierre Lévy: Aprender em um mundo complexo

Pierre Lévy
especial para a Folha de S.Paulo

O que é a complexidade? Em primeiro lugar, essa idéia implica uma multidão incontável de circuitos causais entremeados a uma profusão de acontecimentos. Pensemos, por exemplo, na interação das moléculas de ar que respiramos, no metabolismo de nosso próprio corpo, na vida da biosfera ou na história da cultura humana. Os sistemas complexos são interligados por uma rede causal cujos anéis exploram as ordens de grandeza até uma interdependência definitiva e não conhecida.

Em segundo lugar, a complexidade supõe uma grande variedade de indivíduos distintos organizados em hierarquias entrecruzadas de espécies e de superespécies, em um número potencialmente ilimitado. As interações quânticas nos pensamentos, quando nos debruçamos com precisão e atenção suficientes sobre os acontecimentos singulares que interligam os indivíduos que povoam os sistemas complexos, permitem que descubramos que suas relações são essencialmente imprevisíveis, indetermináveis.

Em terceiro lugar, a complexidade implica a noção de transformação ontológica, de mudança radical. Ela abrange não apenas o surgimento e o desaparecimento de indivíduos mas também o aparecimento de novos tipos de seres e a aniquilação de espécies inteiras. Essa impermanência radical conduz a diferenças de duração. Ela permite que subsistam, em meio ao domínio geral, pequenas ilhotas mais ou menos estáveis —memórias mais ou menos longas. Hoje damos o nome de evolução a esse acúmulo do durável, ou a essa reiteração do reproduzível, que nossos ancestrais chamavam de criação.

Em suma, os sistemas complexos são: a) interdependentes; b) agitados por multidões variadas de indivíduos cujas interações são parcialmente imprevisíveis; c) suscetíveis a uma impermanência radical. Podemos acrescentar que a complexidade se torna maior na medida em que a unidade, a multiplicidade e a evolução são intensas.

Ora, em todo lugar para onde dirigimos nosso olhar com acuidade e perseverança suficientes, o mundo no qual vivemos se revela complexo. Não é a atividade simbólica de nossos sistemas cognitivos de primatas falantes aquela que torna continuamente mais complexa a matéria de nossa experiência palpável? Entretanto, entre o espírito e o mundo, é preciso excluir qualquer relação de simetria simples, qualquer relação na qual uma substância (o pensamento ou a matéria) refletiria sua complexidade na outra, como um espelho.

Longe dessa transparência total, a evolução de nossos ecossistemas de idéias se ergue sobre um fundo de obscuridade, de opacidade e de desconhecimento inextirpável que se deve à finitude humana. Por isso mesmo, porém, ela também aponta para uma possibilidade aberta de aprendizagem, um horizonte de formas e de relações que recua indefinidamente em um meio de interdependência cada vez mais amplo. A aprendizagem faz crescer a complexidade cognitiva em todas as direções do espaço do sentido.

Como a compreensão da interdependência —a visão da unidade— é uma dimensão essencial da complexidade cognitiva, segue-se que ela favorece a aprendizagem. É por essa razão que o descanso do espírito na simplicidade —ou na contemplação— sempre foi um acompanhamento essencial dos aprendizados humanos mais elevados. O recolhimento do espírito nos permite recordar as partes de nossas experiências que extraímos por erro de interdependência, interligar os conhecimentos e os seres que tendemos a separar por razões práticas.

Mas, além do indivíduo, o que seria uma meditação da inteligência coletiva? Que exercícios coordenados de pensamento, que novos instrumentos científicos, que instituições sociais nos levarão a viver a experiência da unidade, da simplicidade e da elegância da dança das idéias que anima o mundo humano? A evolução cultural ainda não foi concluída, longe disso!

Portanto, tanto em escala individual como no nível coletivo, cultivemos a coordenação (a unidade), a diversidade (a multiplicidade) e a força durável (a evolução) de nossos atos cognitivos. Nesse caminho de aprendizagem, avançaremos no rumo certo quando visarmos o conhecimento intuitivo de nossa própria natureza. Com toda a simplicidade.

Pierre Lévy, 47, é titular da cadeira de pesquisa em inteligência coletiva da Universidade de Ottawa e membro da Sociedade Real do Canadá (Academia Canadense de Ciências e Humanidades).

Tradução de Clara Allain


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