Folha Online sinapse  
29/06/2004 - 03h10

A nova corrida do ouro

Paulo de Camargo
Antonio Arruda

free-lance para a Folha de S.Paulo

Numa sociedade em que a palavra qualificação é tida como sinônimo de ascensão, profissionais e estudantes de qualquer idade sentem-se cada vez mais pressionados a aprender. Mas, ao voltar aos bancos escolares, descobrem que a corrida pelo conhecimento não é de curta distância, mas uma maratona sem linha de chegada.

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Alexandre Garrido, que estuda também durante o almoço para aproveitar o tempo livre

Alguns indicadores ajudam a entender a dimensão dessa prova. De acordo com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do Ministério da Educação), o número de matrículas em cursos de doutorado saltou de quase 10 mil, em 1989, para 40 mil, em 2003. Já as matrículas de mestrado subiram de 32 mil para 72 mil no mesmo período.

Não há dados nacionais sobre matrículas em MBAs, uma das pós-graduações mais procuradas pelos executivos. Mas, por exemplo, a procura pela pós-graduação do IBTA, em São Paulo, cresceu 291% nos últimos dois anos. Verifica-se o crescimento também no nível de graduação, que recebeu 1,3 milhão de novos alunos entre 1998 e 2002, segundo o Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, ligado ao MEC).

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O comerciário Antônio Pacheco Filho, que gravou mais de 400 fitas com aulas para ouvir no carro
Nessa corrida, o comerciário Antônio Pacheco Filho percebeu que estava perdendo terreno e decidiu investir na própria formação. Aos 45 anos, Pacheco mora em Sorocaba, mas trabalha a cerca de 100 km de distância, em Campinas, ambas cidades do interior de São Paulo. Para graduar-se em gestão de finanças em sua cidade, no ano passado, aproveitava o trajeto de carro e estudava na estrada, ouvindo as mais de 400 fitas cassete das aulas que gravou ao longo do curso. No ano passado, iniciou um MBA, também em Sorocaba. O "investimento" de Pacheco chega a R$ 24 mil. "Eu estava preocupado por ter chegado aos 40 anos e percebi que precisava melhorar minha formação, por isso investi nesses cursos", explica.

No entanto, Pacheco ainda não vê a linha de chegada. No ano que vem, pretende fazer um mestrado para traçar um novo caminho: quer iniciar uma vida acadêmica e dar aulas. Compensa? Ele acredita que sim. "Nesses 30 meses seguidos de aula, não perdi nada, só ganhei", avalia.

Assim como Pacheco, não há profissional que não se sinta pressionado a aprender sempre mais, mesmo aqueles que trabalham em instituições que, por séculos, pareciam estar protegidas dos efeitos da aceleração do tempo, como as bibliotecas.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Juliana Ortega, para quem especializações renderam mais consideração da empresa em que trabalha
É o caso da bibliotecária Juliana Ortega, 26. Entre os investimentos em educação que vem fazendo desde 2001, como um MBA e especializações, Juliana participou neste ano de quatro cursos, dois deles simultaneamente: o de documentação e informação jurídica e o de gerenciamento eletrônico de documentos. "Com essa atualização constante, ganhei mais consideração da empresa. A minha diretora quer que eu, de algum modo, divulgue aos demais funcionários aquilo que aprendi", conta.

Para Maria Tereza Fleury, diretora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, o mundo contemporâneo não oferece alternativa. "O conhecimento é, hoje, o fator que mais agrega valor às pessoas, aos produtos e aos serviços", diz.

"Essa produção imensurável de informações faz com que todos estejamos sujeitos a algum nível de obsolescência", afirma o engenheiro Luiz Barco, 65, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. Há estudos que dizem que a quantidade de informações a que um cidadão do século 19 era exposto em 80 anos de vida equivaleria ao conteúdo da edição dominical do jornal norte-americano "The New York Times".

De acordo com Barco, para entender o cenário atual, basta comparar o mundo das tecnologias com a construção de uma casa. "O tempo passou, e as técnicas construtivas são, na essência, semelhantes", diz. "Mas, no campo tecnológico, as mudanças são assustadoramente velozes e nos obrigam a estudar continuamente", compara.

É preciso aprender —e disso ninguém mais duvida. Mas não há consenso sobre o fato de o caminho da promoção profissional passar necessariamente pelo diploma. Segundo o consultor organizacional José Ernesto Bologna, antes de entrar em uma corrida desenfreada por conhecimento, é preciso ter consciência de que não há garantia de louros ao final.

"É uma grande ilusão achar que comprar educação é automaticamente comprar progresso", diz Bologna. Segundo ele, não há estudos que comprovem que o sucesso na vida profissional seja decorrente da quantidade de títulos.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Ana Regina Cuperschmid, que faz um MBA nos fins de semana a 95 km de casa

E não basta olhar para a quantidade. Mesmo a qualidade tem sua ponderação: o conteúdo ou o formato de um programa não vale por si só, mas deve realmente trazer algum ganho de conhecimento para o aluno —o tal "valor agregado". A consultora Ana Maria Cadavez, gerente sênior da KPMG Consultoria, não vê, por exemplo, muita utilidade nos concorridos MBAs para profissionais já maduros, a não ser que estejam à procura de novos contatos e relacionamentos. Da mesma forma, enquanto os mestrados são considerados importantes como qualificação para o mercado de trabalho, os doutorados são mais indicados para quem quer permanecer na pesquisa.

Mas o empenho dos indivíduos em buscar formação é visto com bons olhos por alguns consultores, pois pode indicar visão de longo prazo no planejamento da própria trajetória profissional. "Quando avalio o currículo de um executivo, procuro verificar o alcance de sua visão, e a preocupação com educação continuada revela isso", conta Robert Wong, diretor da Korn/Ferry Internacional, multinacional especializada na recolocação de executivos.

Em suas palestras, Wong costuma comparar os funcionários de uma empresa aos de um restaurante. "Sempre há garçons que querem apenas uma gorjeta maior, outros que pretendem ser gerentes e ainda aqueles que sonham com o negócio próprio." Para o consultor, o histórico da formação do profissional mostra que caminho ele tomou em sua vida.

Maria Tereza Fleury acredita que, antes de se decidir entre as várias formas de aprimoramento da atividade profissional, o mais importante é se perguntar para onde quer dirigir a própria carreira e avaliar quais são as suas deficiências —ou seus "gaps", na linguagem das empresas.

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O professor Ricardo Rodrigues, com certificados de alguns dos 40 cursos que já fez
Foi assim com o professor universitário e coordenador pedagógico de cursos a distância Ricardo Carvalho Rodrigues, 38, que já fez cerca de 40 cursos livres, os quais, segundo ele, "significaram um aprofundamento em questões que eram importantes em determinado momento". Ou seja, ele procurou preencher os seus "gaps". "O importante é buscar, na hora certa, o curso certo, que atenda às suas necessidades específicas. Nunca fiz um curso aleatoriamente, apenas por fazer", afirma Rodrigues. Ele fez mestrado em educação e agora cursa doutorado na mesma área.

Mas atenção: ao fazer planos, não se deve pensar apenas nos conteúdos a serem aprendidos. "O mercado vai olhar para a sua competência, ou seja, o saber fazer, e não para o seu estoque de informação", explica a professora. "Hoje pouco adianta ser um expert em áreas técnicas, como logística, se o executivo não souber motivar, desenvolver e reter os profissionais de sua equipe", acrescenta Wong.

São talentos pouco palpáveis, mas decisivos, que estão em alta e podem fazer a diferença. "A especialização chegará a tal ponto que, futuramente, os salários serão pagos de acordo com as competências das pessoas, e não mais conforme a sua formação profissional", prevê a consultora Elisabeth Vargas, diretora da IDS Scheer, multinacional alemã na área de gestão do conhecimento.

"Por isso é preciso estar atento às habilidades de que a empresa necessita e, sobretudo, gostar muito do que faz e ter a carreira como um projeto de realização pessoal", diz Elisabeth. "O que traz prazer para as pessoas poderá trazer competitividade para a empresa", conclui.

O prazer é um dos combustíveis que permitem o estudo contínuo. O bancário Alexandre Garrido, 31, sabe bem disso. Ele nunca deixou de estudar por períodos superiores a seis meses e calcula ter gastado R$ 100 mil em educação. Depois de fazer dois MBAs, entremeados por cursos de línguas e outras especializações, pretende engatar um mestrado no ano que vem, ao qual quer dedicar pelo menos 30 horas semanais de estudo.

"Não vejo a busca pela educação continuada como um fardo. Sei da importância disso e faço porque gosto", diz. "Desde a época em que fiz meu primeiro MBA, meu salário mais que triplicou. Se eu tivesse me mantido no mesmo cargo, meu salário estaria apenas 10% maior", calcula. Para Garrido, os cursos não foram os únicos responsáveis pelas promoções, mas, "que ajudaram, ajudaram".

A mesma sorte não teve ainda a arquiteta Ana Regina Cuperschmid, 28, que atualmente trabalha com projetos para a internet. Ela fez especialização no Canadá e um MBA, mas não viu o retorno desse investimento. Com os cursos que fez, quer recolocar-se na carreira, ampliando suas possibilidades profissionais. "Não consegui ganhar para pagar o que gastei, mas sei que essa espera também faz parte do processo."

Nada garante que o retorno voltará, mas Ana Regina caminhou na direção correta. "Investir em formação vale a pena quando se tem claro aonde se quer chegar", afirma Maria Tereza Fleury. Para Yara Rezende, professora de pós-graduação em gestão do conhecimento do Senac-SP, o principal é ter certeza de que a informação adquirida será transformada em conhecimento —não apenas para o uso imediato mas para a vida. "De nada adianta ler todos os livros sobre um assunto se não formos capazes de processar a informação e criar algo novo com base no que lemos", diz.

"O conhecimento profissional deve ajudar a desenvolver a sabedoria de viver. Profissão e vida são inseparáveis", diz Fernando Becker, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Então relaxe, respire fundo e pense bem qual é o caminho que vai tomar. Sobretudo porque a época em que vivemos oferece muita informação, mas em troca cobra sabedoria, o que é algo bem diferente.

Leia mais
  • Pierre Lévy: Aprender em um mundo complexo
  • Métodos para ajudar ou atrapalhar?
  • Para aprender sem desaprender
  • Enquete: Como você se mantém atualizado?

  •      

    Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).