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28/09/2004 - 03h10

Na infância, menos TV e mais livros

Marina Franco
free-lance para a Folha de S.Paulo

Quando chega à casa da tia, Clara Rodovalho, 5, vai direto para o local que mais gosta: um quarto cheio de livros, que ela apelidou de "livraria". Em meio à coleção completa de Monteiro Lobato e outros clássicos da literatura infantil, ela não quer saber de brincar ou assistir à TV, apenas ler. Clara ainda não é alfabetizada. "Mesmo assim, os livros são seu passatempo predileto. Ela vê as figuras ou pede para nós lermos em voz alta", conta a mãe, a assistente-executiva Silvani Rodovalho, 36. Clara gosta tanto de livros que às vezes os pais até a incentivam a deixar a atividade e assistir um pouco de TV.

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
Caetano Madeira de Abreu, que lê cerca de três obras infantis por mês

A falta de estímulo à leitura e a enxurrada de informações vindas de meios como a televisão e o computador fazem de Clara uma exceção entre crianças e jovens brasileiros.

Otacília de Freitas, 40, editora-executiva da editora DCL, acredita, no entanto, que houve uma nova valorização da leitura na última década. "Vejo de modo positivo best-sellers como 'Harry Potter' e 'O Senhor dos Anéis', pois são uma porta de entrada para outras obras", explica. Ela também acredita que os meios eletrônicos não devem ser vistos apenas como "vilões", pois também podem incentivar a leitura, dependendo de como são utilizados. "O importante é procurar sites e programas inteligentes e saber dosar o tempo que a criança gasta com cada atividade."

É o que pensa também a empresária Cláudia Madeira, 41, mãe de Caetano Madeira de Abreu, 9, estudante da terceira série do ensino fundamental. Caetano é um leitor assíduo de obras infantis: lê cerca de três livros por mês. "Em casa, dividimos o tempo das atividades. Após as 21h, por exemplo, dedicamos o tempo livre à leitura. Por isso, ele acabou criando o hábito de ler antes de dormir." E Caetano parece não querer abandonar a atividade. Um dos últimos livros que leu, "Galinha Cega", emocionou o menino. "Ele até chorou no final", conta a mãe.

O incentivo dos pais, aliás, é a maneira mais eficaz de fazer os pequenos gostarem de ler. A psicóloga clínica infantil Daniela Levy explica que toda criança cria modelos de comportamento e que os pais são os principais exemplos. "Quando nos colocamos na frente da TV durante todo o domingo, mostramos à criança que essa é a única forma que temos para relaxar e descansar." Para a psicóloga, a leitura pode ser comparada ao hábito alimentar. "Dificilmente, uma pessoa que não aprende a comer frutas e legumes desde cedo adquire esse costume quando cresce. Com a leitura, acontece da mesma forma", afirma.

A psicóloga avisa que não se deve impor a leitura, mas estimulá-la de forma cuidadosa, sem desrespeitar os limites da cada criança. Os pais também devem ficar atentos às leituras mais indicadas às diferentes faixas etárias. "Não basta dar o livro para a criança. O diferencial entre um adulto que tem o gosto pela leitura e aquele que se desinteressou da atividade está na sensibilidade de quem o orientou", explica.

Exemplo disso é o estudante de oitava série Rodrigo Braga Ianhez, 14. Ele credita à mãe, Elisa Braga, diretora de produção da Companhia das Letras, seu gosto pela literatura. "Ela sempre trouxe muitos livros para casa e me incentivou muito. Acabei tomando gosto", diz.

Outro fissurado por literatura é Eduardo Keller, 14, que está na sétima série e já se interessa por temas como filosofia, história e psicologia. Nas férias de julho, ele leu "O Mundo de Sofia", romance de Jostein Gaarder que serve de introdução à filosofia, e diz ter iniciado a leitura de mestres do pensamento, como Marx e Freud. Ele conta que a maioria dos colegas não lê tanto quanto ele. "Alguns até acham estranho."

Para a psicóloga Daniela Levy, o gosto pela leitura desde cedo traz muitos benefícios: "Crianças e jovens que lêem têm um vocabulário mais rico. Sua linguagem e seu potencial criativo se desenvolvem com mais rapidez, e eles acabam tendo um destaque maior em suas atividades".

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