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19/08/2005 - 21h20

Crônica: Frio e solidão no glacial mais famoso da Argentina

SÉRGIO RIPARDO
Editor de Ilustrada da Folha Online

O vento soprava forte já na saída do aeroporto de El Calafate, uma das principais cidades da Patagônia argentina (sul do país). Era verão: o sol desaparecia perto da meia-noite e voltava bem certo (5h). No dia seguinte, eu iria conhecer o glacial mais famoso da América do Sul, uma geleira de 60 metros de altura que ocupava uma área quase do tamanho de Buenos Aires (quase 200 km2).

Arquivo pessoal
Lição do glacial: não esquente com nada, mas não esqueça de guardar água doce pro futuro
Lição do glacial: não esquente com nada, mas não esqueça de guardar água doce pro futuro
Sem planejar nada, eu viajava sozinho, de mochila, com pouco dinheiro, mas um forte desejo de esquecer os velhos problemas. Fiquei no mais simplório albergue da cidade (El Arroyo), todo de madeira, com apenas cinco cômodos e um banheiro de chão alagado. No quarto, dois beliches, colchões magrinhos --aqueles que deixam no corpo a marca do estrado da cama. Diária: US$ 5.

A cidade fica às margens do chamado "Lago Argentino". Na verdade, um "mar" de água gelada doce, azul piscina, do tamanho da cidade de São Paulo (1.600 km2). A temperatura marcava 5 graus, mas os ventos patagônicos pioravam a sensação de frio. El Calafate é um povoado com cerca de 10 mil habitantes. O nome vem de um arbusto da região. Reza a lenda ou o marketing turístico da cidade que o visitante que come o fruto azul acinzentado (gosto de amora) fatalmente voltará à Patagônia.

Arquivo pessoal
Placas alertam: não solte o cão nem ultrapasse a passarela
Placas alertam: não solte o cão nem ultrapasse a passarela
Caminhei pela rua principal da cidade (av. Libertador) --muitos restaurantes [prove o cordeiro patagônico e beba muito vinho tinto Latitude 33º], lojas de roupas [compre um casaco da marca The North Face e finja ser gringo americano] e de artigos de aventura [compre uma garrafinha colorida da marca Nalgene para guardar seu xixi em longas caminhadas], "locutórios" [cybercafés que oferecem também cabines telefônicas], agências de turismo [alguns falam até português] e hordas de mochileiros do mundo inteiro.

Eu vivia um momento de revolta contra a ganância da indústria do turismo que tenta arrancar dos consumidores até o último centavo, com guias de sorrisos falsos e roteiros "para inglês ver". Decidi que eu chegaria até o parque nacional dos glaciais, de ônibus regular, como qualquer morador de El Calafate. Fui até a rodoviária e peguei o "busão". O destino era o glacial Perito Moreno, a pedra de gelo mais famosa da Patagônia, devido ao acesso fácil e à ruptura de suas paredes frontais.

O glacial fica a 80 km da cidade. Parece pouco, mas boa parte da estrada é ruim, chamada de "rípio" (cascalho e pó), o que significa muita poeira no nariz e sacudidas bruscas (desligue o discman). No caminho, uma vastidão de terra, a seca espete patagônica, pontuada por algumas estâncias agropecuárias e milhares de ovelhas nos pastos. No ônibus, graças ao gesto de um passageiro, avisto nos céus um condor, o rei da cordilheira dos Andes.

Arquivo pessoal
Avenida Libertador, via principal do povoado de El Calafate
Avenida Libertador, via principal de El Calafate
Paga-se um taxa para entrar no parque dos glaciais (cerca de US$ 5, na época). Do Perito Moreno, pequenos blocos de gelo se soltam com freqüência e caem no lago, provocando um estrondo. Hipnotizados, os turistas fotografam das passarelas e escadarias de madeira na península de Magallanes. Há placas de alerta para evitar aproximação ou andar com animais sem coleira, pois já houve registros de acidentes com mortes.

Nas passarelas, decidi acompanhar um grupo de turistas, a fim de pescar, sem pagar nada, as dicas de uma guia. Ouvi que o Perito Moreno é um dos 356 glaciais do parque nacional, mas não é o maior (título atribuído ao glacial Upsala). Sua fama vem do espetáculo da ruptura, que antes ocorria a cada quatro anos: a força das águas represadas no seu canal faz uma gigantesca barreira de gelo se romper. A última vez que isso ocorreu foi em março de 2004.

Peguei um barco turístico. Queria me aproximar mais das paredes do glacial. Fiquei a pouco mais de cem metros de distância. No lago, muitos pedaços do Perito Moreno boiavam. Os maiores demoram a derreter. A bordo do barco, era servido uísque com pedras de gelo extraídas do magnífico glacial. Não era hora de economizar. Foi um dos drinques mais caros da minha vida, mas ajudou a esquentar um pouco aquela tarde gélida no início de uma longa jornada solitária pela Patagônia.

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