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14/12/2006
-
09h08
Enviado especial da Folha de S.Paulo à Zona da Mata (PE)
O avião se aproxima do aeroporto de Recife envolvido pelos azuis do céu e do mar. O comandante convida os passageiros a contemplar Porto de Galinhas pelas janelinhas. Do alto, a areia e as ondas banhadas pelo sol fazem salivar qualquer turista vindo de São Paulo. Mas o destino dessa viagem não é o litoral, e a pergunta no ar é: valerá a pena dar as costas para a praia e marchar rumo ao oeste como os bandeirantes?
O governo de Pernambuco tem certeza que sim. Tanto que lançou no mês passado a mais nova rota turística do Estado, batizada de Engenhos e Maracatus. A proposta é desbravar a histórica região da zona da mata norte, cujas principais atrações estão na visita a fazendas coloniais de açúcar e na vibrante cultura popular, cujo epicentro é o maracatu de baque solto ou maracatu rural.
O passeio inclui ainda provar da saborosa culinária regional, admirar o artesanato local e dar uma passada no curioso Museu da Cachaça, que aparece no Guinness como a maior coleção mundial da marvada.
E não se assuste o leitor com o maniqueísta primeiro parágrafo desse texto: todas as atrações estão em média a apenas 75 km do Recife, fazendo que essa região rural seja visitada sem tirar os dois pés da praia. Mas, se o viajante gostar da "zona" (ou ficar perdido pela sinalização falha), não faltam boas opções de hospedagem rural, algumas em antigas fazendas de açúcar, numa variação nordestina dos hóteis-fazenda do Sudeste que atrai a classe média regional em busca de mesa farta e passeios a cavalo.
Ao todo, a rota proposta pelo governo pernambucano inclui 90 atrativos em 19 municípios. Quase todos têm a vida econômica ainda voltada à cana-de-açúcar, cujas plantações dominam a paisagem rural -lamentavelmente, não sobrou quase nada da vegetação natural após séculos de plantios e colheitas.
Talvez pelo fato de ser um roteiro em formação, o turismo ainda não engrenou. No fim de semana em que a Folha passeou pela região, havia poucos forasteiros no local, mesmo com a realização de um festival de música em Nazaré da Mata.
O turismo que ainda engatinha é a causa ou conseqüência de algumas deficiências graves. No imponente e bem conservado engenho Poço Comprido (município de Vicência), por exemplo, a capela do século 18 está desprovida de suas imagens sacras, retiradas do local por falta de segurança. Outro ponto fraco é o serviço de guia, fundamental para o turismo histórico.
Nesse quesito, o mais irritante é a apologia desavergonhada da escravidão --o engenho Uruaé (Goiana), administrado por descendentes dos fundadores, chega a oferecer ao turista a oportunidade de simular o açoite de um escravo no tronco!
Já os descendentes de africanos oferecem um espetáculo mais nobre por meio dos grupos de maracatu e de outros ritmos e manifestações regionais, como o contagiante coco, a ciranda e o cavalo-marinho. Tudo somado, a zona da mata norte é uma oportunidade para ver a dicotomia gilbertofreyreana de "Casa Grande & Senzala" e "Sobrados & Mucambos" travestida agora de engenhos e maracatus.
Aqueles, administrados por descendentes de senhores transformados em empresários de turismo e usineiros. Estes, impelidos pelos caboclos descendentes de escravos convertidos em bóias-frias. Não é a perfeita tradução daquela máxima de que as coisas precisam mudar um pouco para continuar do mesmo jeito?
FABIANO MAISONNAVE viajou a convite do governo de Pernambuco
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FABIANO MAISONNAVEEnviado especial da Folha de S.Paulo à Zona da Mata (PE)
O avião se aproxima do aeroporto de Recife envolvido pelos azuis do céu e do mar. O comandante convida os passageiros a contemplar Porto de Galinhas pelas janelinhas. Do alto, a areia e as ondas banhadas pelo sol fazem salivar qualquer turista vindo de São Paulo. Mas o destino dessa viagem não é o litoral, e a pergunta no ar é: valerá a pena dar as costas para a praia e marchar rumo ao oeste como os bandeirantes?
O governo de Pernambuco tem certeza que sim. Tanto que lançou no mês passado a mais nova rota turística do Estado, batizada de Engenhos e Maracatus. A proposta é desbravar a histórica região da zona da mata norte, cujas principais atrações estão na visita a fazendas coloniais de açúcar e na vibrante cultura popular, cujo epicentro é o maracatu de baque solto ou maracatu rural.
O passeio inclui ainda provar da saborosa culinária regional, admirar o artesanato local e dar uma passada no curioso Museu da Cachaça, que aparece no Guinness como a maior coleção mundial da marvada.
E não se assuste o leitor com o maniqueísta primeiro parágrafo desse texto: todas as atrações estão em média a apenas 75 km do Recife, fazendo que essa região rural seja visitada sem tirar os dois pés da praia. Mas, se o viajante gostar da "zona" (ou ficar perdido pela sinalização falha), não faltam boas opções de hospedagem rural, algumas em antigas fazendas de açúcar, numa variação nordestina dos hóteis-fazenda do Sudeste que atrai a classe média regional em busca de mesa farta e passeios a cavalo.
Ao todo, a rota proposta pelo governo pernambucano inclui 90 atrativos em 19 municípios. Quase todos têm a vida econômica ainda voltada à cana-de-açúcar, cujas plantações dominam a paisagem rural -lamentavelmente, não sobrou quase nada da vegetação natural após séculos de plantios e colheitas.
Talvez pelo fato de ser um roteiro em formação, o turismo ainda não engrenou. No fim de semana em que a Folha passeou pela região, havia poucos forasteiros no local, mesmo com a realização de um festival de música em Nazaré da Mata.
O turismo que ainda engatinha é a causa ou conseqüência de algumas deficiências graves. No imponente e bem conservado engenho Poço Comprido (município de Vicência), por exemplo, a capela do século 18 está desprovida de suas imagens sacras, retiradas do local por falta de segurança. Outro ponto fraco é o serviço de guia, fundamental para o turismo histórico.
Nesse quesito, o mais irritante é a apologia desavergonhada da escravidão --o engenho Uruaé (Goiana), administrado por descendentes dos fundadores, chega a oferecer ao turista a oportunidade de simular o açoite de um escravo no tronco!
Já os descendentes de africanos oferecem um espetáculo mais nobre por meio dos grupos de maracatu e de outros ritmos e manifestações regionais, como o contagiante coco, a ciranda e o cavalo-marinho. Tudo somado, a zona da mata norte é uma oportunidade para ver a dicotomia gilbertofreyreana de "Casa Grande & Senzala" e "Sobrados & Mucambos" travestida agora de engenhos e maracatus.
Aqueles, administrados por descendentes de senhores transformados em empresários de turismo e usineiros. Estes, impelidos pelos caboclos descendentes de escravos convertidos em bóias-frias. Não é a perfeita tradução daquela máxima de que as coisas precisam mudar um pouco para continuar do mesmo jeito?
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