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A conquista do DNA

Terapia gênica lançada na Europa e estudos que visam à criação de cromossomos sintéticos marcam os 60 anos da decifração da estrutura do DNA

REINALDO JOSÉ LOPES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Seis décadas depois que o americano James Watson e o britânico Francis Crick contaram vantagem num pub de Cambridge (Reino Unido), dizendo que tinham descoberto "o segredo da vida" ao decifrar a estrutura do DNA, a pesquisa sobre genética vive um momento ambíguo, no qual triunfos se misturam a uma lista de mistérios ainda um bocado comprida.

O aniversário de 60 anos da descoberta de Watson e Crick, publicada em 25 de abril num artigo na revista científica "Nature", acontece no ano em que o primeiro tratamento que "corrige" o DNA do paciente chega ao mercado dos países desenvolvidos.

Trata-se do Glybera, que usa um gene humano, carregado por um vírus, para corrigir uma rara doença metabólica, a LPLD.

A doença impede que o organismo absorva corretamente certos tipos de gordura, o que causa problemas no pâncreas. No mercado europeu, onde foi aprovado, o tratamento deverá custar cerca de US$ 1 milhão por paciente.

"É uma coisa que só dá para fazer na Europa por enquanto, porque o sistema de saúde de lá absorve esse custo", explica Carlos Frederico Menck, biólogo do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que estuda o uso de vírus como "entregadores" de genes terapêuticos.

Para ele, o tratamento é um avanço porque o vírus não se integra diretamente ao DNA dos pacientes, o que minimiza o risco de bagunçar o genoma e causar problemas.

"Estou muito otimista em relação à perspectiva de que o século 21 seja o século da terapia gênica, combinada com a terapia celular."

É mais difícil, no entanto, pensar na aplicação generalizada desse tipo de terapia em doenças mais comuns, como o câncer, pondera Emmanuel Dias-Neto, do Laboratório de Genômica Médica do Hospital A.C. Camargo.

"Para uma entrega eficiente da terapia, você tem de ter acesso às células-alvo. Se temos acesso, é preferível remover o tumor."

GENE? QUE GENE?

Apesar desses avanços práticos, entender como o DNA funciona está mais complicado, em parte porque ele é mais complexo do que os pioneiros sonhavam. Uma das baixas é o conceito de gene.

Ele seria o que "realmente importa" no genoma, um trecho de DNA com a receita para a produção das proteínas, principais responsáveis pelo funcionamento da célula.

Mas o refinamento das análises mostrou que genes podem ter "múltiplas personalidades".

"É possível afirmar que nós não possuímos um conceito satisfatório de gene", diz Igor Schneider, biólogo da Universidade Federal do Pará.

Alysson Muotri, brasileiro que é professor da Universidade da Califórnia em San Diego, é mais diplomático: "O conceito de gene muda o tempo todo. A versão simplificada do dogma é uma introdução ao problema".

A questão, porém, é saber se a quantidade de interações entre os elementos do genoma --e entre eles e o ambiente-- é tão complexa na maioria das doenças que intervenções focadas no DNA estariam fadadas ao fracasso.

"Acho isso pessimista demais", diz Muotri. "Acredito que seremos capazes de entender a interação genoma-ambiente no futuro e produzir terapias efetivas."

Emmanuel Dias-Neto aponta avanços no que chama de "medicina de precisão", como saber que alterações genéticas no tumor de um paciente vão tornar o câncer mais ou menos resistente a certas drogas, além de prever o espalhamento do tumor.

BRINCANDO DE CRIADOR

Ainda sem aplicações médicas imediatas, outra área que tem ganhado força é a chamada biologia sintética.

Ela é mais do que só uma versão complicada dos organismos transgênicos: em vez de inserir um gene de água-viva num embrião de coelho para fazê-lo brilhar no escuro, por exemplo, o plano é montar genomas "do zero".

"Hoje, o maior desafio desse campo é produzir a primeira célula bacteriana sintética", explica Igor Schneider. Os organismos teriam aplicações econômicas, como a limpeza de áreas poluídas.

Mas há quem fale em ir mais longe. George Church, da Universidade Harvard, diz que seria viável usar biologia sintética para alterar o genoma de um elefante moderno e torná-lo semelhante ao de um mamute, ressuscitando espécies extintas.

"Esse campo levantará questões éticas", diz Schneider. "Em muitos países, é ilegal patentear material genético de seres vivos. Seria ilegal patentear genes de um organismo que você inventou?"


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