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Ciência + Saúde

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Marcelo Leite

Tribos bacterianas

Associações insuspeitadas entre germes e genes abrem caminhos inovadores para investigar várias doenças

Bactérias estão na moda. De dois anos para cá, pululam estudos de biomedicina sobre a comunidade de milhares de tipos de bactérias que colonizam o corpo humano. Por fora (pele, boca etc.) e por dentro (intestinos, principalmente).

A excitação surge da descoberta de que ecossistemas bacterianos (microbiotas, diz-se) com perfis diversos, em particular na chamada flora intestinal, parecem estar associados com vários problemas de saúde. Obesidade, asma, depressão --a lista não para de crescer.

Pessoas obesas têm uma diversidade menor de bactérias nas tripas, ou seja, um bioma interior mais pobre. Quando fazem dieta ou passam por cirurgia bariátrica (redução de estômago), estranhamente, a composição muda e aumenta o número de espécies de micróbios.

Não se sabe direito se os diferentes perfis são causas ou resultados da doença e da saúde. De qualquer jeito, essas associações antes insuspeitadas estão abrindo caminhos inovadores para investigar os mecanismos por trás das moléstias.

Uma peça a mais desse complicado quebra-cabeças acaba de ser identificada pelo pernambucano Sérgio Lira, da Escola Médica Mount Sinai, em Nova York. Desta vez estavam na mira lesões pré-cancerosas do cólon (intestino grosso). O grupo de Lira as estuda com ajuda de camundongos geneticamente modificados para desenvolver as lesões, conhecidas como pólipos, que estão relacionadas com cerca de um quarto dos cânceres de cólon.

Lira andava intrigado com o fato de os pólipos aparecerem concentrados num trecho específico do cólon, o ceco (em humanos, eles costuma aparecer no outro extremo, a região do reto).

Como a alteração genética que favorece o surgimento das lesões está presente em todas as células do intestino, surgiu a hipótese de que o problema estivesse relacionado com a população particular de bactérias naquele trecho do cólon.

Para saber se bactérias estavam de fato envolvidas, o pessoal de Mount Sinai recorreu ao tiro de canhão: um coquetel de vários antibióticos (metronidazol, ampicilina, neomicina e vancomicina). As lesões diminuíram, como previa a hipótese sob investigação.

"Não se pode dizer que as bactérias em si causam a doença", explica Lira. "Só se tiver o fator genético presente, também."

O pernambucano diz que ainda tem um longo caminho pela frente para tentar identificar as bactérias mancomunadas com os genes. "Pegar aquela moqueca e separar o leite de coco, o camarão, o dendê, e aí olhar um por um." E, quem sabe um dia, tratar com antibióticos, mudança de dieta ou alteração da microbiota as pessoas que tenham mutações desvantajosas e polipose.

"Nosso genoma é só parte da história", diz o pesquisador, que se formou em medicina no Recife e deixou o Brasil há três décadas. "Existe todo esse outro self, uma constituição genética muito mais plural, uma ecologia fantástica, cujo entendimento é essencial."

Até aqui a microbiota intestinal tem sido estudada por atacado, com amostras (e até transplantes!) de fezes, vale dizer, do produto final. Mas Lira acha que o cólon guarda várias tribos diferentes de bactérias.

Em certos locais, e conforme os genes da pessoa, a reação inflamatória a algumas delas talvez dê origem a pólipos, propõe o brasileiro, um "fisiologista apaixonado".


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