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Crítica livro

Obra resgata a mesa de Gilberto Freyre

Pesquisadora reconstrói trajetória gastronômica de um dos maiores sociólogos brasileiros

Fotos em torno da mesa, cadernos de cozinha, caricaturas e desenhos de utensílios culinários figuram no livro

CRISTIANA COUTO ESPECIAL PARA A FOLHA

A princípio, um leitor desavisado pode se incomodar com as longas frases em negrito e as diversas aspas que parecem atravancar o texto.

Mas logo esses detalhes se tornam insignificantes diante da saborosa leitura que é "Gilberto Freyre e as Aventuras do Paladar", recém-lançado pela Fundação Gilberto Freyre, de Recife.

As longas citações em destaque foram o recurso escolhido pela autora, a psicóloga Maria Lecticia Monteiro de Cavalcanti, para conduzir com suavidade o leitor das suas mãos para a habilidosa pena de Gilberto Freyre (1900-1987), um dos maiores sociólogos brasileiros.

Especialista no autor e pesquisadora da fundação, Maria Lecticia se aproveitou da extensa obra deixada pelo intelectual pernambucano para fazer bem mais do que um livro agradável das impressões de Freyre sobre comida. Ela consegue reconstruir, a partir de extratos selecionados entre mais de seus 80 escritos, a importância que a comida vai tomando no pensamento do autor.

O interesse de Freyre pela boa mesa surge antes dele aprender a escrever, em seus desenhos de criança, que ilustram o primeiro capítulo.

Essa escrita coreográfica e transbordante, que marcou "Casa Grande e Senzala", sua obra primeira e fundamental, penetra exuberante em meio ao texto discreto e informativo da autora.

O livro convida o leitor a conhecer a trajetória de Freyre, tanto em sua casa em Apipucos, no Recife, onde recebia amigos e familiares com refeições intermináveis, quanto durante viagens ao exterior e encontros com intelectuais de várias vertentes.

Tudo ao sabor de seus comentários, ora reflexivos, ora irônicos, mas sobretudo argutos, sobre os modos de comer dos seus e dos outros.

Pintores, poetas, filósofos, embaixadores, todos se sentaram à mesa com Freyre, que jamais comia só. O que talvez o tenha levado a concluir, sobre o caráter de Hitler, sempre solitário ao comer: "Era assim, como todo o seu nacional-socialismo, um antinacional e um antissocial".

Em suas viagens acadêmicas, preferiu o Canadá aos Estados Unidos, apenas pela comida, e aprendeu a gostar de rosbife e cordeiro na Inglaterra. Em Nova Orleans, com mais recursos, pode frequentar restaurantes. Na Alemanha, surpreendeu-se: "Deliciam-me as sopas, um tanto parentas das portuguesas e das espanholas. Nada francesas", declara em "Tempo Morto e Outros Tempos".

Mas é por Portugal que definitivamente se apaixona. Encanta-o as varinas lisboetas, "vendedoras-bailarinas de peixe," o leitão à moda da Curia, "mais leve do que a mais delicada galinha", o vinho do Porto. De Goa, na Índia, fez questão de trazer receitas de quitutes e doces para introduzir no Brasil.

Das considerações de Freyre sobre a cozinha brasileira, Lecticia dedica vários capítulos que, vistos em conjunto, estruturam sua formação, com "riquezas de sabores ainda contraditórios".

Neles está a montagem que Freyre vislumbrou do encontro, pincelado por outras nações, entre o colono português, o índio e o africano --este, mais do que escravo, dono da terra: "Dominaram a cozinha", afirmaria, em sua obra mais importante.

Fotos de encontros em torno da mesa, reproduções capas de livros e receituários, caricaturas e desenhos de utensílios culinários figuram no livro como cereja no bolo, deixando todo o recheio e a cobertura para o pensamento original e guloso de Gilberto Freyre.

GILBERTO FREYRE E AS AVENTURAS DO PALADAR
AUTOR Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti
EDITORA Fundação Gilberto Freyre
PREÇO R$ 80 (427 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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