Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Comida

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Nina Horta

Adrià 'inventão'

O melhor aconteceu a Ferran Adrià: fechou o El Bulli, que dava prejuízo e lhe consumia, para estudar

O Senhor Ferran Adrià me intriga. Vi o "Roda Viva" com atraso, mas o programa está no YouTube. Foi entrevistado pelo articulado e inteligente Josimar Melo, pelo não menos inteligente Arnaldo Lorençato, que fez a pergunta que não queria calar, Silvio Lancellotti, que reapareceu todo frajola, Patricia Ferraz, objetiva, sabe o que quer, fez a pergunta que ele mais gostou --sobre criatividade e o peso que essa palavra está tendo no formato dos restaurantes. E a morena, bela e talentosa Helena Rizzo, que pelo jeito também acha que o Ferran é homem de ação, não se cansa, tem uma adrenalina sem par. É o que acho também. Quando se põe a filosofar me confundo um pouco.

Primeiro, achei o Adrià ótimo. Mais magro, risonho, feliz. Tem coisa pra deixar um cara mais feliz do que fechar um restaurante que pedia o sangue dele e virar sócio da Telefônica simplesmente para experimentar, estudar? Qual o cozinheiro que não tem esse sonho? Como em todas as profissões, aliás. O professor ficaria estudando e elaborando teses, sem alunos, o pintor pintando o que lhe desse na telha, sem precisar vender os quadros... E assim por diante.

Pois bem, foi o Lorençato que conseguiu arrancar dele o segredo manjado: o El Bulli dava prejuízo, é claro, mas era um investimento, respondeu Adrià. Enquanto fazia propaganda de produtos industrializados (nada contra, nem ele nem eu), gastava o dinheiro desidratando pés de galinha sem osso. "Puro, puro! Éramos puros."

E quando ele pronuncia uma obviedade é com os olhos brilhantes, como se houvesse descoberto a chave do universo. Aquele que come é também um cozinheiro. "A nossa tarefa de cozinhar não acaba na cozinha, vai depender do modo que o cliente come."

Pois é. Minha avó de vez em quando vinha passar um mês conosco. E me lembro de meu pai, implorando: "Dona Mariquinhas, dou todo o dinheiro que tenho no bolso para trocar o seu prato pelo meu! Por favor!".

Ela tinha um jeito de misturar a comida que era a inveja de todos. No bufê, muitas vezes comemos o que nos levam num pratão. Quando era a Suely que fazia o prato eu ficava feliz. Exatamente o que eu queria. Se é o Pedro, uma quantidade de arroz enorme, não Pedro, eu gosto é de feijão, vai lá, tira esse excesso de arroz. E de vez em quando é o arroz que vai bem, uma incógnita que depende do comedor e seu paladar. Mas a Telefônica nunca me deu um tostão por essa percepção, acho injusto. Brincadeira, acho justíssimo, vai, Ferran, catalão talentoso e esperto! Todos os bons cozinheiros "inventões" mereceriam os favores que você ganha, isso, sim.

E ele, enfrentando os luminares da cozinha ali representados, pergunta se sabem o que é um tomate. Ninguém sabe, porque sentem por trás uma pegadinha. "Então se não sabem o que é um tomate...", retruca ele. Pois é, ninguém sabe o que é um tomate e o Ferran fica feliz. Tem um laboratório onde vai descobrir o que é um tomate. E o abacate também, e Ferran pergunta, vitorioso, por que em alguns lugares o abacate está entre os legumes e em outras feiras com as bananas? Ora, "Così è se vi pare" (assim é, se lhe parece), responderia Pirandello, sem se preocupar com um laboratório. Oxente!


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página