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Nina Horta
Faça você mesmo por quê?
O artesanato voltou com tudo para a TV; mas para que fazer em casa o que pode ser comprado pronto?
As coisas vão acontecendo, mas me dá uma preguiça de tentar entender. Uma delas é que a pérgola do Copacabana Palace reabriu com comida oriental. Justamente o cartão de visita dos turistas... Não vai dar um nó na cabeça deles? Vir ao Rio para comer wonton?
E assisti a um documentário sobre venda de maconha no Colorado, mamma mia, não era proibida até ontem? Hoje são lojas sofisticadíssimas, com pacotinhos de mínimos a grandes, atendimento de magazine de luxo, espaços-estufas para perpetuar aquela planta que mais te agrada, assistentes delicados orientando se é para apaziguar ou animar. Admirável mundo novo do mês passado até hoje!
E a onda de artesanato na TV. Para quem viu a TV nascer, o ensino do artesanato era uma coisa diária que funcionou por décadas, geralmente na sessão da tarde, para mulheres. Ensinava-se de tudo um pouco. A cozinhar, a limpar a casa, a bordar e costurar, tricotar, fazer bijuterias, buquês de flores. Sabonetes e caixinhas eram hits absolutos. Não existia quem não tivesse em casa um montão de sabonetes que não se tinha coragem de usar tal o carinho, cuidado e perfeição das pinturas.
E havia também os horrores, vade-retro, muita coisa kitsch e inútil. Quase tudo. Daí veio a época do sexo na TV, muitos programas que tratavam de sexo com toda naturalidade, e psicólogas ensinando como lidar com relacionamentos. Nem sei se alguém já escreveu sobre todas as Marias, Helenas, Ophelias, Claudetes, Marthas, Clodovis que iluminaram as tardes do século 20.
O artesanato foi sumindo devagarinho, mas agora volta disfarçado sob a capa de aproveitamento de material, de sustentabilidade. São mulheres que, num piscar de olhos, transformam nossa casa numa vitrine. Fico só pensando o que fazer com tanta coisa sustentável. Vão sendo transformadas em outras tantas coisas também sustentáveis? O balde que vira vaso, o vaso que vira cesta, a cesta que vira cinzeiro, o cinzeiro que vira garrafa PET de novo?
Reparem como A Casa se valoriza a cada dia na TV. Programas que arrumam nossos armários, que ensinam a dobrar roupa, a encerar o chão, a fazer um banquinho, um leque, um forro de mesa, um prato de parede de cacos coloridos. Moldes de roupa, há quanto tempo não via um molde! E quarto de criança, haja borboleta.
O que é que é? Tanta coisa industrializada para comprar, que não dá trabalho para fazer, que não é preciso ir a um lugar especializado atrás de telas, réguas, tintas, estiletes, alicates...
Por que depois da prata e ouro queremos comer no barro? Por que bem na hora dos computadores que nos dão tudo de mão beijada, vetores de mudanças e revoluções, resolvemos fazer nossas roupas de cânhamo tecido em casa? Do foie gras ao fígado de galinha na churrasqueira? Enjoamos de nós mesmos ou da nossa caça infindável pelo novo e diferente?
Vamos acabar fazendo sozinhos nossa minicasa de papelão, como um origami precioso? Não sei se vai dar, onde colocaremos a cozinha gourmet ou a churrasqueira? Homo faber as mãos coçando para trabalhar no pesado e criar calos. Homo ludens procurando divertimento. Difícil saber.