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Nina Horta

A mãe

Foi uma brasileira clássica na cozinha; era sempre um prazer sentar à mesa para almoçar antes do colégio

Não tem jeito, você passa parte da vida ora adorando, ora implicando com a mãe e, como se não bastasse, com o tempo vai se transformando nela, as veias saltando nas mãos, o jeito de rir, a mancha na bochecha.

Era uma casa pequena, tinha sempre a empregada que fazia a comida. E a facilidade que a dona Dulce tinha para ensinar. Primeiro que alfabetizava a moça em três tempos, que a verdadeira vocação dela era a de professora. Não contente com isso, a comidinha ia melhorando e acabava boa, apetitosa, era um prazer sentar à mesa para almoçar antes do colégio, nos fins de semana, nos jantares em que se incluía o pai --e aí ficava tudo perfeito naquele mundo seguro.

Criança é mesmo tonta, pensa que aquela hora vai durar para sempre e janta com as bochechas vermelhas de felicidade, engolindo tudo inteiro no afã de aproveitar ao máximo a vida boa.

Sempre me intrigou muito saber onde foi que ela aprendeu a cozinhar. Não tínhamos livros de cozinha no Brasil, só me lembro do "Rosamaria" em dois volumes e o "Dona Benta". Já nasci implicada com o "Dona Benta" e encantada com o "Rosamaria", que tinha histórias das comidas, citações em francês, escrevia cartas para a filha ensinando a lidar com guardanapos, copos, talheres. Bom, a minha mãe lia uma vez por ano, "en passant", alguma receita, talvez para refrescar a lembrança, mas cozinhava pra lá de direitinho.

Ela, que era a criatividade em pessoa na vida, quando chegava a hora da cozinha, se transformava numa brasileira clássica --jamais nos serviu uma comida tailandesa ou alemã. Fusão? Nem pensar. O segredo, com certeza, era a simplicidade. Tínhamos pela redondeza uma venda, uma feira e o Santa Luzia. Como diria o Pedro Nava, salvou-a a elegância Ática da comida mineira.

Nada mais, nada menos. Arroz bem solto, feijão-mulatinho grosso, salada, verdura cozida al dente. De carne vermelha não gostava muito, mas fazia um belo rosbife. Em compensação, era o terror das galinhas, matava sem frescura nem sadismo --e eis a pobre assada ou ensopada em meio a quiabos e angu, ou presa em empadinhas de famosa memória.

Deve ter aprendido a lidar com peixes no Rio, recém-casada, pois detestava frutos do mar e fazia o melhor camarão com chuchu com certeza para agradar ao marido. Acho que nem provava, mas era perfeito, o chuchu durinho, o camarão no ponto e um molho mais para o ralo, com pouco tomate. E, no mais, a pescadinha da feira, e a batata cozida e frita com casca, toda enrugada e assustada com pimenta-do-reino.

Não era de doces; de sobremesa, frutas, gelatina, pudim de leite --ai, quase que me esqueço daquela forma saindo do forno contornada por bananas fritas, um creme inglês no meio e coberta de clara em neve, tostada, dourada, lambendo a banana quente. E uma vez por ano fazia figos cristalizados para o sogro, pequenas frutas recheadas de nozes se abrindo num pingo de mel verde do próprio figo.

Pulei para a sobremesa, mas, na verdade, seu carro-chefe eram os aproveitamentos, o mexidinho, a fritada com linguiça. É, eu sei, a mãe de vocês também faz cada pitéu! Coisa de mãe.

ninahorta@uol.com.br

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