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Nina Horta

Alguma revolução na cozinha?

Podem esperar que vem coisa nova por aí -como sempre vem; esse cheiro não me engana

Fico intrigada. É essa a primeira sensação que tenho quando ainda não sei alguma coisa que deveria saber e o outro já sabe. Presto uma bruta atenção, ponho reparo e, do ar, vai se formando uma ideia. Ainda não dá para pesquisar no Google, mas quase, quase...

No auge da "nouvelle cuisine" com a comida achatada no prato branco com as bordas formando a moldura, uma cliente foi nos visitar, recém-chegada de uma peregrinação de bons restaurantes. E explicava o que queria com dificuldade. Por exemplo, uma salada de grãos, mas o gesto que fazia era novo. Como se puxasse do fundo do prato uma pirâmide. Tanto repetiu o gesto que uma suspeita começou a se formar no meu cérebro. Havia alguma novidade à solta.

Nem me lembro os caminhos que tomei, talvez procurar o mais novo livro do mais novo chef -Charlie Trotter?-, e percebi que a comida se levantara às alturas, as alfaces se equilibravam lá no alto, o palmito em fios mais alto ainda. Havia chegado a moda da comida em morrinho, que custou muito a baixar e ainda nem se deitou de todo.

Lembram-se do ano inteiro em que comemos tomate seco e rúcula? A surpresa do salmão, o carpaccio com seu molho, o vinagre balsâmico, os sais coloridos, o arroz negro, o azeite virgem, o arroz Carolina, o lírio-do-brejo... E estou sentindo os arrepios, só que ainda não consegui botar o dedo na ferida.

Tem a ver com o orgânico, a paisagem dentro da nossa cuia, aquela coisa de olhar pela janela da cozinha, ir lá fora e catar o pinheiro e o musgo e as pedrinhas do caminho, e temperar e comer. Com pedrisco e tudo.

São modas, são caminhos para o futuro, civilizatórios, ou vão desaparecer sem deixar traço? Não há dúvida de que a comida colhida, pescada, matada, na hora, é muito mais saborosa. De vez em quando, a cesta que me trazem semanalmente com frutas tão verdes que jamais amadurecem me surpreende com uma manga que me faz ter vontade de visitar a árvore e ficar amiga dela. Os caquis-chocolate desta temporada arrasaram e as laranjinhas, também.

Mas não é isso, é um abraço mais profundo com a natureza. Vejo um chef que, não contente em plantar o que vai servir, se preocupa com um todo maior, começa com a terra, não há comida boa sem bom solo, sem a vaca batizada, de quem ele sabe o nome, e que produz uma manteiga branca e suave.

Inventou um risoto de cereais que beneficiam o solo, centeio para o carbono, cevada contra as ervas daninhas, trigo-moiro que elimina toxinas, mileto para terra seca, soja e feijão que acabam com as toxinas. Como amido usou um purê de couve, brócolis e repolho que aumentam o nitrogênio da terra.

A novidade que já deve estar cozinhando no fogo da moda é um quintal ou terreiro sob o sol, chuva e lua, com brisa, uma fazenda em miniatura onde as plantas são fortes por causa do solo que é bom, dos matinhos que ajudam, dos porcos do vizinho, do riacho piscoso, alqueires e alqueires se entrelaçando, o mundo em abraço, a paz da inocência do primeiro dia.

Acho que me empolguei, mas esperem, vem coisa nova por aí, esse cheiro não me engana.

ninahorta@uol.com.br


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