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Nina Horta

Bonito ou feio

Impossível querer enxergar como o outro enxerga, mas intriga saber que há quem enxergue igualzinho a nós

Não há jeito de se ensinar o outro a enxergar como nós enxergamos. Não há. Já procurei manuais de estética, de arquitetura, é um assunto difícil e complexo. Acho que o jeito é mostrar ad nauseam o que você acha bonito até que a outra pessoa comece a achar bonito o que você acha. Claro que nunca é preciso catequizar alguém para o seu gosto, mas em coisas funcionais, do seu trabalho, do dia a dia, é preciso, sim. Há que se achar um padrão para que aquele que está te ajudando tenha noção do que você quer. Experimente enxergar como o outro enxerga. Impossível.

Esteve aqui em casa um japonês para fazer uma degustação de sushis. Armou na mesa um enorme barco, dispôs tudo como achava melhor. Eu fiquei ardendo de vergonha alheia, mas não queria tocar em nada antes que ele fosse embora para não magoá-lo.

Querendo ajudar, levei um prato de sashimis e coloquei na mesa do jeito que achava melhor em meio a tudo aquilo que iria derrubar dentro de minutos, quando o visse pelas costas. Pois não é que ele foi até a sala, espremeu os olhos, andou até o prato e ajeitou-o virando uma pontinha de 1 cm mais ou menos?

Percebi na hora que dentro dele havia um sem-número de referências em relação àquela mesa que eu não tinha. Enxergava com seus olhos japoneses, sua infância, os livros que havia lido, a paisagem da terra natal. Eu brasileiríssima, caipira, estava com minha estética de cuscuz de sardinha que não combinava nada com a japonesice dele.

Dá para entender? E tem gente que enxerga igualzinho a você, isso é que me intriga mais. Podemos ir juntas até o arranjo de flores e arrancar a mesma folha que atrapalhava o visual.

E a vida tão cheia de problemas, e o mundo se acabando e você precisando tomar um calmante na veia ao ver o arranjo horrendo de queijos no casamento chique, na festa que você queria fazer linda. Por que não consertou? Não deu. Se perdeu a hora de arrumar, se não viu, quando chegar perto já está cheio de convidados ali, em volta da malfadada bandeja, com olhos pouco críticos, é verdade. Nem todos são tão loucos quanto você.

Quero me matar por causa daquele arranjo de queijos. Você olha e vê que ele está fazendo o máximo para parecer bonito. Não pode. Tem que ser bonito sem mostrar esforço, para começar. Por que não um queijo só, enorme, para combinar com a quantidade de compotas? E sobre uma madeira que facilite o corte. Um bom queijo sobre uma boa tábua e pronto.

E quando se consegue ensinar a alguém o modo pelo qual gosta de apresentar a comida e aquele modo se torna "batido", todo mundo faz igual, o mundo inteiro muda de jeito (são modinhas), como explicar que você gostava, gostava, daquele modo, mas que agora odeia, moda de florzinha no prato já passou, agora tem que ser nu, com cara de comida mesmo.

Por exemplo, arranjo de talheres em formato de leque, desenhos incríveis. Guardanapos dobrados em formato de cisne.

-- Mas não está bonito, d. Nina?

-- Está, está bonito demais, mostra que você levou duas horas fazendo isso e não compensa, melhor neutro, um do lado do outro, nem bonito nem feio.

Bem complicado, mas estou lendo uns livros que falam do todo, da simplicidade, da hora de saber parar de enfeitar, e talvez consiga montar uma teoria razoável de estética da comida em festas de casamento.

ninahorta@uol.com.br

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ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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