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Nina Horta

A necessidade e a criatividade

Eu me sinto um Colombo de saias quando ponho as batatas fritas num copo forrado de linho

É engraçado quando se é obrigado a inventar alguma coisa. Acho que a criatividade, apesar de tantas teorias contrárias, faz-se inevitavelmente presente diante da necessidade, da faca gelada no pescoço.

Sinceramente, o que sempre me encantou nas festas foi o momento de perigo em que a adrenalina se põe a funcionar disparadamente.

Os mais velhos hão de se lembrar que os "hors d'oeuvres" ou canapés vinham sempre servidos em bandejas de prata. Há quase 30 anos, quando começamos a fazer festas, surgiram as entradas servidas em vidros ou cristais, com um pequeno enfeite florido ou um ramo de melindre.

Foi um achado. Em meses não existia em São Paulo outra coisa senão vidro. Tudo igual. Fomos tomando uma implicância surda contra aquela novidade, mas o mal já estava feito. Pegou. Ora coberto de folhas, ora de sal grosso, ora de pimenta-do-reino, cravos fragrantes, alecrins.

E como nasceu uma ideia tão brilhante?

Um cliente árabe resolveu fazer uma festa bem brasileira para surpreender a família que só comia comida da mãe --as esfihas, os deliciosos quibes. Ele iria obrigá-los a comer coisa da terra, um coquetel para lá de brasileiro, bijus, empadinhas, essas coisas.

Ao ver a coragem dele bem no dia do seu aniversário quisemos fazer uma surpresa e juntamos um tanto de charutinhos de folha de uva, berinjelinhas recheadas com nozes e mais não me lembro.

Não contamos com a verdadeira paixão dos convidados pelo seu alimento de todo dia. Caíram sobre o coquetel árabe como lobos vorazes. Comida, até tínhamos, mas não havia como servir tudo. Faltavam pratos para colocar as coisas.

Como havíamos posto os canapés em peneiras e elas eram vazadas, deixando cair migalhas no chão, mandamos fazer numa vidraçaria vidros recortados que se adaptavam ao fundo delas à perfeição. Um raio me iluminou na hora. Separamos os vidros das peneiras e em lugar de uma peneira ficamos com uma peneira e um vidro, exatamente o dobro. E, como era novidade, era bonito. Em poucos meses e até hoje, esbarro com esses vidrinhos, excomungando a hora que os inventei.

Eu me sinto um Colombo de saias quando ponho as batatas fritas num copo forrado de linho, quando um balde de tirar leite de vaca se transforma em balde de gelo, quando a enorme vasilha de barro para índio fazer farinha fica num canto cheia de sacos de pinoli, amêndoas e nozes.

E agora estou com todas as novidades entupidas na garganta. Contei para vocês que no dia 1º de fevereiro apareceu uma trinca perigosa nos fundos do bufê? Havia sido provocada por uma firma que construiu um prédio perto. Firma das mais famosas, senão a mais famosa.

Pois lá se vão cinco meses sem poder trabalhar no bufê. Hoje, chegou um e-mail avisando que vão pagar o conserto que ficará pronto em três meses. Logo, oito meses sem trabalhar... Saudade da adrenalina, medo de me acostumar com a sombra e água fresca e ausência de facas afiadas no pescoço e a falta do dinheirinho tão necessário. Novidades desse tipo, quem as quer?


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