Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Comida

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Nina Horta

Venha de onde venha

Gosto desse assunto, gosto, mas de vez em quando dá vontade de ficar só fazendo fichas de receita, à mão

Há 20 anos peço aos leitores que mandem seus menus diários, os mais simples possíveis. Eu tinha dentro de mim a ideia de que seria tão fácil conseguir esses testemunhos... Nada.

Viajar Brasil afora, estudando? Já pensaram três dias em cada vilarejo do Brasil, passaria o resto da vida viajando sem aprender de verdade. E também nem sei como os pesquisadores se arrumam para compor teorias. São tantas as variáveis que eu enlouqueceria.

E comida pega como um rastilho. Percebo no bufê, por exemplo. É só inventar uma bobagem que no dia seguinte já aparece em todos os outros bufês. E vice-versa, fazemos o mesmo com os outros.

Por exemplo, como o sanduíche é tremendamente prático para coquetéis e, por isso mesmo, "batido", inventei de diminuir o tamanho deles. Até escrevo nos menus, "sanduíche do tamanho de uma unha". (Os clientes não sabem que estou pensando na unha da cantora Alcione, que tem um centímetro, mais ou menos.) Refrescante, leve, mínimo, vem durando mais de 20 anos. Acho que pode ser chamado de um clássico.

Só conto isso para chamar a atenção ao fato que um historiador de comida, de hoje a 200 anos olhando fotos, possa dizer que no século 21 os sanduíches eram quase invisíveis. E vai estar absolutamente errado, terá deixado de lado o sanduíche de pão francês com pernil, o que fará uma falta dos diabos.

E como fazemos comida indiana muito bem, lemos muito sobre o assunto e percebemos que os indianos gostam de servir o seu sorvete de doce de leite em pirâmides altas.

Fomos atrás das formas e hoje, em casamentos e quase toda festa, lá estão os sorvetes em pirâmide como se fôssemos indianos da gema. E no futuro teremos alguém estudando como a forma da Índia veio parar em São Paulo.

(Não é propaganda do bufê, não, só falo nele porque está fechado, esperando há oito meses a reforma que uma construtora vai fazer por ter inadvertidamente causado uma racha que nos impede de trabalhar.)

E os charutinhos de folha de uva que são difíceis de servir e inventamos de colocá-los em "steamers" de bambu chinês, pois ficam quentes sem queimar, úmidos e cabem em várias camadas ao mesmo tempo?

Já pensaram a confusão na cabeça do antropólogo descobrindo a mistura da Turquia das Arábias com a China?

Quero comparar a comida dos escravos vindos do mesmo lugar da África. Como se come na África, como se come aqui e nos Estados Unidos, por exemplo. Está bem, tem quiabo nos três lugares, mas no sul dos Estados Unidos é unido com molho branco e filet (um espessante), é ingrediente do onipresente gumbo, de influência francesa, e aqui no Brasil qual gumbo qual nada... mas sim, caruru. Em compensação, muito bolinho frito tanto aqui como acolá, acra, acarajé, a mesma coisa e por que não temos a tradição da galinha frita que eles têm?

É difícil. Gosto desse assunto, gosto, mas de vez em quando dá vontade de ficar só fazendo fichas de receita, à mão, como antigamente, e guardando no fichário e pronto. Venha de onde vier, não me importo. Se for boa, comemos; se não for, rasgamos a ficha e pronto.

ninahorta@uol.com.br

Leia o blog da colunista
ninahorta.blogfolha.uol.com.br


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página