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Almoço nº 1

Reportagem conta, em dez atos, como foi almoçar no Central, em Lima, no Peru, que acaba de ser eleito o melhor restaurante da América Latina

LUIZA FECAROTTA ENVIADA ESPECIAL A LIMA

Lima. Peru. Saltei do táxi (aqueles táxis de banco surrado, porta emperrada, cujos motoristas buzinam à exaustão). Estava diante do Central, o restaurante que foi eleito na quarta passada (3) o melhor da América Latina pela revista inglesa "Restaurant".

PRIMEIRO ATO

São 12h28. A porta da casa, em uma rua residencial de Miraflores, um dos bairros mais nobres da cidade, está fechada. Mais quatro ou cinco pessoas se aglomeram ali.

Espio pela fresta: equipe reunida e, segundos depois, entes eles, batem palmas.

Abre-se a porta. Estou só.

SEGUNDO ATO

Olho a mesa que mais cobiço e é nela que uma garota me acomoda. Está colada numa parede de vidro, de pé-direito alto --o salão é clean, iluminado, com mesas largas e cadeiras confortáveis.

Do lado de lá do vidro, está a cozinha, orquestrada pelo casal de jovens (e belos) chefs, Virgilio Martinéz e Pía León. Andei lendo sobre eles. Descobri, por exemplo, que ele já foi skatista, só "tem tempo para almoçar em pé" e cria na madrugada. Que ela já saiu chorando da cozinha umas boas vezes e não compreendeu por que dois clientes, em uma só noite, não comiam coentro nem bebiam álcool.

TERCEIRO ATO

Virgilio se aproxima da mesa, com o tronco baixo, em minha direção: "Esse menu é uma expedição pelas alturas, pela biodiversidade do Peru." E deixou sobre a mesa um menu de 17 tempos, cada qual com a altitude a que fazia referência.

E eu curiosa para saber o que diabos aquele rapaz, que se dividia entre o salão e a cozinha, frenético, fizera para ultrapassar na lista o Astrid y Gastón --casa do chef mais influente da América Latina, o peruano Gastón Acurio.

QUARTO ATO

Virgilio coloca duas peças diante de mim. Uma pedra na qual estava apoiado um crocante finíssimo com carne, fígado e pele de peixe, com gotículas espalhadas milimetricamente. Ao lado, um copinho sobre um pedaço de madeira, que continha um caldo de pescado e cacto, com pétalas comestíveis colhidas há pouco ali na horta.

Nenhum prato chega em louças regulares, com as quais estamos acostumados. São pedras, argilas, lascas de madeira a amparar, de maneira artística aquelas receitas.

(PEQUENA PAUSA)

Lembrei de uma cena de "Cozinha - Uma Questão de Amor, Arte e Técnica", de Hervé This e Pierre Gagnaire: "Nosso prazer de hoje, com estas codornas, não é menos elevado nem mais vulgar que a sensação buscada ao contemplar um quadro ou ouvir uma bela música."

QUINTO ATO

Atenta ao silêncio (e à cordialidade) do serviço. Gratíssima pela paciência dos garçons, que se puseram a repetir alguns nomes de ingredientes peruanos (tumbo, ungurahui, zapallo loche).

Eis que chega à mesa a "pesca de 10 milhas", com lula e barquillo (um molusco de tom avermelhado) sob minifolhas de sabor cítrico.

Em seguida, yacón (tubérculo adocicado) combinado com achiote (urucum) e fígado de pato amazônico.

Como se come isso? "Con las manos."

SEXTO ATO

Dou um gole d'água. Mais tarde, quando fui conhecer as entranhas do restaurante, soube que a água servida passava por um processo de purificação ali mesmo, em uma sala isolada, por meio de um equipamento "high-tech".

SÉTIMO ATO

O serviço corre com ritmo. É servida, então, uma sequência de quatro pratos:

-- Moluscos (almejas) envoltos em um creme de limão;

-- Vieiras com caldo de peixe acidulado com tumbo (fruto semelhante ao maracujá) e zapallo loche (abóbora alaranjada pequena e gorda);

-- Delicados pedaços de abacate sob uma lâmina fina da semente do mesmo fruto, envolto em um molho verde, feita da folha da planta;

-- Polvo no carvão com emulsão de airampo (fruto avermelhado que se presta a colorir alguns pratos). Em um copinho, o caldo no qual o polvo foi cozido, para beber entre uma garfada e outra.

OITAVO ATO

Carne de boi das cordilheiras. A garçonete traz à mesa, em um prato à parte, um coração de boi desidratado. Sobre a receita, com molho denso da própria carne, ela rala o coração, como queijo.

NONO ATO

Sobremesas que exibem cacau, café, chirimoya (fruto de polpa doce e carnuda).

Uma volta guiada pela cozinha, pelos laboratórios (com livros aos montes e ingredientes à vista, garimpados por um grupo interdisciplinar que se presta a explorar, registrar e conhecer produtos) e pela horta.

DÉCIMO ATO

A conta (US$ 150, sem bebidas alcoólicas), com a satisfação de entender por que aquele é o melhor restaurante da América Latina.

Confira o serviço do restaurante e a galeria de fotos
folha.com/comida


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