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Nina Horta

Sabedoria e calma na cozinha

O sonho de Marcelo era voltar para casa, abrir uma pousada serena, conversar de mansinho com os amigos

Vamos lá, vamos tentar falar dele, Marcelo Rodrigues (1974-2014), nosso antigo chef que morreu tão moço. Vinha de Criciúma, tinha passado pela Inglaterra, um rapaz bonito, quase sempre de bandana, fala mansa, estudioso. Fez o curso da Anhembi Morumbi e nos foi indicado por Rosa Moraes, santa indicação.

Começou a trabalhar conosco ainda inocente do que era a pressão de um bufê. Muito estresse, cada vez um lugar diferente, pessoas sempre com emoções à flor da pele. Ele enfrentava com calma, sabedoria, tolerância e, ainda por cima, escondendo suas modéstia e timidez.

Procurava sempre qualidade de vida. A cozinha de grandes quantidades não é lugar para isso. Mas ele seguia reto, sem demonstrar o que o perturbava. Não lembro de escutar sua voz se alterar no comando. Como organizador era perfeito, quando chegava era para salvar.

Para neutralizar a experiência bruta de um cozinheiro, inventava moda. Resolveu ser vegetariano, e não havia ninguém que conseguisse tirá-lo do bom caminho dos brotos de feijão e do tofu. Emagreceu, ficou meio branquelo e retornou à carne com parcimônia.

Sempre o equilíbrio, sempre. Faltou a ele um pouco do exibicionismo de que um chef precisa para se promover. Certa vez, fomos Marcelo e eu a uma reunião onde estariam os melhores chefs de São Paulo. Era na antiga Daslu. No carro conversamos sobre cinema, livros, comida, o diabo a quatro. Ao chegar lá, com todas as chances de se enturmar, ficou quieto, calado, nem uma palavrinha, só escutando...

Nossos papos frequentes giravam muito em torno da família dele, da casa, das árvores do quintal, de cada fruta madura, da comida feita pela mãe e do pai. Seu sonho? Nenhum sonho de glória.

O sonho era voltar para casa um dia, abrir uma pousada serena, conversar de mansinho com os amigos, fazer caminhadas a pé, adorava a natureza, o friozinho das noites estreladas, a lareira, os pinhões.

Econômico. Já pensaram a benesse de um cozinheiro econômico?

Olhem um pedaço do blog dele, (Cumbuca Cheia) quando fotografou o pai fazendo um galo de panela. "Lá em casa as aves são abatidas com 2, 3 anos de idade ou quando dá vontade de ensopar uma galinha, ou quando eu resolvo passar uns dias lá. A carne é tão dura quanto saborosa e mais escura, de um vermelho intenso com muito colágeno, o que garante um molho dos deuses e se desmancha, par perfeito da polenta na linha."

A certa altura resolveu que a vida de professor era mais leve. Foi dar aulas no Atelier Gourmand, o que não o impedia de nos ajudar toda vez que precisávamos. Parece que não tendo a festa como obrigação, podendo escolher, ficava menos aflito por dentro.

Adorava caipiragens de comida caseira, mas fazia um marzipan inigualável e inventou um patê de fígado de galinha que um desavisado poderia tomar como foie gras.

Mas foi embora para Criciúma e nem se despediu de ninguém. Estranhamos. E não voltou e nem vai voltar mais. Um cozinheiro equilibrado e ético. Sem comentários. Que tenha deixado para aqueles com quem trabalhou um pouco de sua serenidade jovem.

ninahorta@uol.com.br

Leia o blog da colunista
ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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