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A casa vai cair
A história da casa 498 da rua Dr. Costa Júnior, na Água Branca, a última que sobrou em um quarteirão que irá virar torre
A casa 498 da rua Dr. Costa Júnior, na Água Branca, nunca mais foi a mesma desde a chegada na vizinhança do Landscape Perdizes, condomínio com duas torres de prédios (e vista para o parque da Água Branca) que está em construção no entorno.
Primeiro pela chegada do empreendimento em si. A incorporadora comprou 13 dos 14 terrenos vizinhos; o dono do 498 não quis vender a casa, mesmo sob insistência da incorporadora, a Shpaisman.
Daí que toda vizinhança de casas se esvaiu e deu lugar ao canteiro de obras do Landscape Perdizes, e o 498, uma casa feita para ser residência mas hoje usada como escritório, ficou ali, isolada.
Ciente, a corretora Neusa Ribeiro Soares, 48, alugou o imóvel por R$ 4.000 mensais, para usar como sede da empresa que está prestes a abrir.
Nem a poeira, nem ruído, tampouco a casa órfã no meio de duas megatorres seriam problema, diz ela, que aposta na valorização da região -o apartamento mais barato custa quase R$ 2 milhões.
Até que um buraco fez o otimismo ruir: uma retroescavadeira rompeu a parede da garagem nos fundos. Depois vieram uma série de rachaduras -na parede da garagem, na cozinha e na laje.
Neusa resolveu agir. Chamou a Defesa Civil para interditar o próprio imóvel, uma maneira de chamar atenção para o que ocorria e ao mesmo tempo se resguardar. Em 26 de fevereiro, a casa 498 foi interditada parcialmente; em 14 de março, totalmente.
Veio então o que tornou a casa conhecida na rua, um cartaz com os dizeres em vermelho: "Casa com perigo de ruir. Afaste-se". Foi um modo de evitar que outras pessoas entrem ali sem saber.
"E se morresse alguém?", disse Neusa, sobre a razão de ter a faixa ter sido colocada.
A corretora denunciou o caso à prefeitura, que foi à obra e não constatou nada errado na documentação.
Ela e dono exigiram que o imóvel fosse consertado, ao que a construtora Shpaismann concordou. A empresa disse que faria os reparos e, agora, faz um orçamento de quem irá prestar o serviço.
Neusa, por ora, está satisfeita. Diz que não vê a hora de conseguir trabalhar ali.
FENÔMENO
O impasse é consequência de um efeito que começou em São Paulo entre os anos 1930 e 1950, com a substituição das casinhas por prédios. Foi assim com os casarões das avenidas Paulista e Higienópolis, décadas depois com os do Itaim e da Mooca, diz a urbanista Regina Meyer, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
"O que acontece é que antes eram casinhas que davam lugar a prédios menores. Hoje são quarteirões inteiros." Só não tiveram esse fim bairros tombados pelo patrimônio, como os Jardins.
O fenômeno traz impactos positivos, como mais gente morando perto do centro, onde há mais infraestrutura, e negativos, como trânsito pior.
Para quem mora ou trabalha num imóvel "órfão", o efeito é ruim: casa sem sombra e fria, diz Regina Meyer.
Para Celso do Amaral, diretor da Amaral D'Avila, especializada em avaliação de imóveis, casas órfãs tendem a se desvalorizar quando comparadas ao valor que o incorporador oferecem. Melhor seria ter vendido a casa 498 para o prédio, diz.