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Presos no farol

Oficiais da Marinha fazem turnos de 60 dias, isolados em área onde só há acesso via helicóptero

RICARDO HIAR COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ILHABELA (SP)

Desde o extremo sul de Ilhabela (SP), a luz branca do farol Ponta do Boi se projeta há pelo menos 60 anos sobre as pedras traiçoeiras da região, em um facho de 35 km.

Maior estrutura do tipo no litoral norte paulista, é também a única em que seus ocupantes passam 60 dias "presos" e isolados da civilização.

Isso porque não há acesso por terra, a chegada marítima é perigosa e só há helicóptero da Marinha à disposição nesse intervalo.

A Folha acompanhou na semana passada uma troca de duplas no farol e conversou com os militares sobre a vida entre mata, rochas e mar.

Quem voltava na ocasião era o primeiro-sargento Jorge Ramos da Hora, 45, morador eventual daquele confim desde 1990. "Antes era mais difícil", diz ele, lembrando que já precisou acionar helicóptero da Polícia Militar para resgatar um colega picado por uma cobra ou para levar combustível.

A vida do sargento também fica mais fácil pela disposição da mulher, Rosemary, 52. Com cinco filhos já adultos, o casal de São Sebastião divide as temporadas na ilha desde 2007 --a companhia é permitida, o difícil é achar parceiros que topem o desafio.

"Vaidade aqui não tem espaço", diz a mulher, que descreve o local como "paraíso sem manicure e cabeleireira".

Para o veterano da ilha, o pior da estada são os problemas em terra. "Ficar sozinho dá para aguentar. O difícil é quando temos notícia ruim e não podemos fazer nada."

Mas o isolamento também não é simples. Um militar que voltaria no helicóptero que levou a Folha não aguentou esperar. Foi resgatado dois dias antes de barco para "não surtar" --palavras de um oficial que preferiu não detalhar o episódio. Todos os ocupantes passam por avaliação psicológica, diz a Marinha.

INFRA

A estrutura do farol conta com heliponto e duas casas. Quando um dos militares vai com a mulher, cada um fica numa das residências. Caso contrário, dividem o mesmo teto.

Na casa eles têm todos os itens básicos, como fogão, máquina de lavar e geladeira. Com a rotina restrita, usam o tempo livre entre livros, internet e exercícios físicos --um quarto virou academia improvisada.

Apesar de "mordomias" contemporâneas como TV, internet e telefone via rádio, o lugar segue cravado a quilômetros da rede de energia comercial mais próxima. Tudo é a base de geradores --e 4.000 litros de diesel a cada dois meses, levados em viagens por ar.

Cuidar do gerador, que acende a luz e movimenta o farol, é a tarefa principal na Ponta do Boi. Os militares devem acioná-lo ao pôr do sol e desligá-lo ao amanhecer. Dedicam-se também ao "faz-tudo" da manutenção --são ao mesmo tempo eletricista, pedreiro, encanador e jardineiro.

Diz a lenda --nem a Marinha sabe precisar-- que a construção do farol avançou em resposta à tragédia do Príncipe das Astúrias, transatlântico que afundou na região em 1916, deixando 445 mortos. O que se sabe ao certo, é somente o ano do início das operações: 1952.

Aos 28 anos, o cabo Diego da Silva chegava para cumprir a sexta temporada na ilha. Somadas, suas passagens por ali já ultrapassam um ano de permanência.

Especialista em faróis e solteiro, diz ser "tranquilo" passar datas como Natal e Réveillon por lá. "Seria mais difícil durante o Carnaval", afirma o militar.

Já o suboficial eletricista Hérlio de Menezes, aos 48 anos, prestes a entrar para a reserva, chegava ao farol de Ilhabela pela segunda vez. "É muito bom. Foi um presente que recebi vir para cá, antes de completar 30 anos de serviço na Marinha."


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