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País em protesto

POR QUE FUI?

Por direitos e pela livre manifestação, 'virgens de protesto' e 'habitués' de marchas se reuniram no largo da Batata

PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO

Maiara Cesário, 22, enfrentou sua primeira manifestação vestindo calça de ginástica justinha, tênis Nike rosa-choque, mochila Nike, batom e rímel. No seu kit protesto, também tinha uma máscara de pintor (R$ 17) contra o gás lacrimogêneo, óculos de proteção (R$ 13) e vinagre (pegou da sua mãe, em casa). Estudante de direito da Univap, Maiara veio de Campinas em um ônibus fretado. "Eu represento você aí sentado no sofá", dizia o cartaz que carregava.

"Estou aqui contra as corrupções e pelos direitos", disse. Quais? "Ah, todos." E o preço da passagem de ônibus em Campinas, também é alto? "Camila, quanto custa mesmo o ônibus?", perguntou para a amiga. "R$ 3,30", foi a resposta.

O protesto foi eclético. Como dizia o cartaz do sociólogo Igor Disco, 27, "somos todos passageiros".

Tinha desde patricinhas desgarradas até "habitués" de passeatas, integrantes do PSOL e PSTU, membros dos movimentos idealizadores do protesto, como o Movimento Passe Livre, aposentados, sindicalistas, famílias, punks, anarquistas e anarcopunks.

Gil, 27, "anarcopunk" de Mogi, acredita que o protesto vai funcionar. "Lá em Mogi protestamos e conseguimos uma redução de R$ 0,10 no preço da passagem", disse. Ele ganha R$ 670 trabalhando numa empresa de telemarketing em São Paulo.

Na quinta-feira, não teve como vir para a capital, porque não tinha com quem deixar as filhas gêmeas de 3 anos. Hoje, ganhou "alvará da patroa".

"Está cheio de partido querendo se promover com o ato, mas esse movimento é livre", contou. "Sou anarcopunk, mas não sou violento. Sei como a passagem de ônibus pesa pra gente. Eu moro em Mogi e tomo dois trens e dois ônibus todo dia para vir trabalhar em São Paulo."

DE VOLTA

A última vez que o metalúrgico aposentado Ivo Cardoso de Andrade, 64, foi para as ruas foi em 1979, na greve no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo. "Naquela época eu gostava muito do Lula. Mas a esquerda chega ao poder e vira burguesia", disse ele, que hoje passa a maior parte do tempo em uma comunidade de idosos em Barueri. Por que veio? "Quero muito ver a nova presidente da UNE, ver quem será a nova José Dirceu'", contou Ivo, que veio de trem lendo Dom Casmurro, obra de Machado de Assis.

ESTOPIM

Abaixar o preço da passagem era o grito de guerra, mas o objetivo era mais amplo.

"A passagem de ônibus foi o estopim. Depois da violência da polícia na quinta, o objetivo do protesto passou a ser o direito de se manifestar. Cada vez que venho a um protesto destes, me sinto um cidadão um pouco menos idiota", disse o mestrando em antropologia David Reichhardt, 24, que sofreu bastante com gás lacrimogêneo na quinta. "Mesmo se baixarem as tarifas, vamos continuar protestando."

No largo da Batata, na concentração para o início da caminhada, participantes tocavam um sambinha, alguns poucos tomavam cerveja e o clima era descontraído, com a polícia bastante discreta, longe dos manifestantes. "Que vergonha, o busão tá mais caro que a maconha", gritavam alguns. Maconha, aliás, não faltou: por todo lado tinha gente enrolando um cigarro.

O ambiente era bastante familiar --o único momento de tensão foi quando o repórter da TV Globo Caco Barcellos foi expulso pela multidão aos gritos de "Fora, Globo".

Ana Massochi, dona do restaurante La Frontera, foi com o filho, a nora, uma sobrinha e amigos. "Fiquei indignada com as pessoas chamando os manifestantes de vândalos e, depois que vi a violência da polícia no último protesto, decidi que tinha de vir", disse. "Precisamos ocupar o espaço público, é um absurdo essa cidade ter tão poucos metrôs."

Mariano Mattos Martins, 29, ator e designer, aproveitou o cocar de canudinhos que usou na Virada Cultural para compor seu look "pró-verde". "A revolução é verde, além de baixar o preço da passagem, precisamos ter mais áreas verdes na cidade", dizia.

Ele carregava um ramo de planta "abre caminho, que é sagrada no candomblé". Veterano das marchas da maconha, acha que, nesse protesto, é a primeira vez em que realmente as pessoas têm um propósito firme. "É uma coisa muito concreta. Estamos juntos descobrindo o poder de mobilização que temos", dizia, enquanto conversava com o namorado ao celular.


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