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Cotidiano

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Pasquale Cipro Neto

De plebiscitos e referendos

Qualquer semelhança com a trapalhada jurídica em que se meteu o governo federal não é mera coincidência

É claro que o cidadão minimamente antenado sabe que o governo federal quer (ou quis) submeter a um plebiscito a reforma política, que, no Brasil, como se sabe, é assunto quase tão velho quanto a corrupção.

Faz tempo que quero meter o meu pitaco nessa história, mas, semana vai, semana vem, acabo achando que muita gente já falou a respeito e que talvez eu não tivesse nada a acrescentar. O fato é que, salvo deslize meu, ainda não vi nenhuma referência ao memorável conto "Plebiscito", do notável escritor ludovicense Arthur Azevedo (1855-1908).

Antes que alguém pergunte, "ludovicense" é um dos adjetivos pátrios relativos à bela e maltratada São Luís, capital do Maranhão. O termo "ludovicense" vem de "Ludovico", que, por sua vez, é da mesma família etimológica de "Louis" (do francês), "Luigi" (do italiano) e "Luís" (do português).

Pois bem. O belo conto de Arthur Azevedo começa assim: "A cena passa-se em 1890. A família está toda reunida na sala de jantar. O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço...". Bem, infelizmente é preciso encurtar a história (cuja íntegra está na internet). O filho de Rodrigues levanta a cabeça e pergunta: "Papai, que é plebiscito?". E Rodrigues retruca: "Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer 12 anos e não sabes ainda o que é plebiscito?". E o menino: "Se soubesse, não perguntava".

A mulher de Rodrigues intervém, diz que o marido é isso e aquilo, que, se soubesse, responderia de imediato etc. Exasperado, Rodrigues vai para o quarto, em que havia "o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e um dicionário...". Pacificadora, Bernardina vai ao quarto e convida o marido para voltar à sala. Rodrigues sai do quarto e diz: "Eu! Eu ignorar a significação da palavra plebiscito! Eu!". Em seguida, "recita" o que viu no dicionário ("Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios") e faz este esdrúxulo comentário: "Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...".

Pelo que se vê, o inabalável senhor Rodrigues conseguiu piorar as coisas ao demonstrar que misturou alhos com bugalhos...

Qualquer semelhança com a trapalhada jurídica em que se meteu o governo federal não é mera coincidência. A julgar pelo que se ouviu e leu de renomados juristas, o senhor Rodrigues, digo, o governo federal... Bem, não preciso concluir, certo?

O fato é que, depois da preterição do plebiscito, agora se fala em fazer um referendo. Se o senhor Rodrigues, digo, o governo federal resolvesse evitar o vexame, ou seja, se resolvesse consultar um dicionário antes de falar do assunto, poderia dar-se mal, visto que alguns deles dão "plebiscito" e "referendo" como sinônimos.

O fato é que, na tradição da língua e na linguagem jurídica, "plebiscito" e "referendo" são coisas distintas. Com o referendo, consulta-se o povo para que ele diga se aprova ou não aprova uma medida que foi proposta ou aprovada pelo Poder Legislativo. Com o "plebiscito", pergunta-se ao povo algo como "sim" ou "não" antes da elaboração de uma lei.

É claro que é fundamental lembrar que "plebiscito" é da mesma família de "plebe" e "plebeu", palavras latinas que remetem ao povo... Novamente, qualquer semelhança com o fato de as manifestações de junho terem feito os governos (municipais, estaduais e federal) se lembrarem da existência do povo e de seus problemas não parece ser mera coincidência.

Deixo para o leitor a reflexão sobre a insistência do governo no plebiscito e a relação dessa palavra com "plebe", digo, "povo"... É isso.


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