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Pasquale Cipro Neto

Romário quer ir para a prisão?

O mínimo que se pode dizer do título jornalístico mencionado é que ele é pouco claro ou ambíguo

O leitor habitual deste espaço já tem um belíssimo estoque de pérolas perpetradas pela imprensa. Os diversos meios de comunicação (jornais impressos, jornais de rádio e TV, sites etc.) capricham mais e mais na criatividade linguística. Como diz um velho companheiro, "não há limite para o pior".

Já afirmei diversas vezes que boa parte dos mais importantes concursos públicos do país (vestibulares, processos de seleção de candidatos a uma vaga no serviço público etc.) apresenta provas de português baseadas em textos ou fragmentos de textos jornalísticos. Em geral, pede-se que o candidato identifique o problema e que dê ao trecho "defeituoso" redação clara, coerente e correta.

A batatada de hoje é esta: "Romário se encontra com Maradona e pede prisão a corruptos do futebol" (título publicado ontem num site de notícias). E então, caro leitor? O que quer o Baixinho? Será que ele tem inveja do deputado-presidiário Donadon e também quer frequentar a Papuda, para tomar banho (frio) e comer a quentinha que lá servem ao nobre parlamentar e a seus "companheiros"?

Não e não, obviamente. O que Romário quer é a prisão "DE/DOS" corruptos do futebol. Há uma clara diferença entre "pedir a prisão a" e "pedir a prisão de". O mínimo que se pode dizer do título jornalístico mencionado é que ele é pouco claro ou ambíguo. A julgar adequado esse título, pode-se pensar que o deputado federal Romário se sente tão culpado (de sabe-se lá o quê) e tão vil que chega a pedir a corruptos que o prendam.

O título em questão permite também que se imagine ou suponha que o Baixinho tenha sido irônico, isto é, que de fato tenha pedido aos corruptos que o prendam, como se estivesse a desafiá-los ("Provem que o que digo é mentira e prendam-me").

Mas não é nada disso o que se lê na matéria (pessimamente intitulada, é bom que se repita). O que o Baixinho quer é simplesmente que os corruptos do futebol sejam presos. O que temos nesse caso, caro leitor, é um enésimo problema de regência, que, como se sabe, é a parte dos estudos linguísticos que se ocupa da relação entre as palavras ou orações. O substantivo "prisão" normalmente rege as preposições "a", "de" e "em", mas é óbvio que a opção por "a", "de" ou "em" pode determinar claras diferenças semânticas (de sentido).

Não se pode deixar de lado o peso do verbo "pedir" no título em questão. "Fulano pede ajuda à igreja", por exemplo, permite entender que Fulano pede à igreja que o ajude, mas também permite entender que Fulano acha que a igreja precisa de ajuda.

O fato é que a preposição "a" virou arroz de festa nos títulos jornalísticos. A falsa impressão de erudição que ela confere e o fato de ser formada por apenas uma letra (o que significa economia de espaço) acabaram dando a essa pobre preposição o falso valor de pau para toda obra. Não cabe o "para"? Lasca-se o "a", que nem sempre lhe é equivalente. O caso em questão é bizarro, porque a preposição adequada ("de") tem apensa uma letra a mais, ou seja, um toque a mais, como dizemos no jargão jornalístico. Aí entra o maldito piloto automático, que faz o redator empregar o "a" sem nem ao menos ler o resultado da "obra".

Antes que alguém pergunte, lá vão exemplos do uso do substantivo "prisão" com cada uma das três preposições citadas: "Essa sua prisão a dogmas infundados..."; "A prisão de Fulano causou..."; "A longa prisão em terra estrangeira deixou-o...".

Como sempre digo nas minhas palestras Brasil afora, nossos jornais e revistas quase sempre são escritos em português, mas a língua dos títulos às vezes é outra. Qual é? É o titulês, é claro. Essa "língua" muitas vezes é enigmática ou, pior, muito pretensiosa e falsamente erudita. É isso.


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