Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Cotidiano

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Leão Serva

Minha casa, minha vida, meu fim de mundo

Construir e financiar casas populares distantes do centro aumenta demais os custos em infraestrutura

Depois de várias décadas sem investimentos, a mudança de governo deu ênfase à habitação: nos últimos 20 anos foram construídas mais casas populares do que nunca antes na história do país ou do mundo, fora a China. Foi construído, em 19 anos, o correspondente a 20% do estoque de habitações em todo o país em 1994.

Não pense o leitor que falo do Brasil: os dados são da África do Sul depois do apartheid. Um país de 50 milhões de habitantes ganhou em tempo recorde 2,4 milhões de casas novas, como mostrou o urbanista Edgar Pieterse no evento de lançamento do USP Cidades, núcleo de estudos de gestão urbana da universidade paulista.

O movimento foi uma reação do governo democrático, de início comandado por Nelson Mandela, às políticas de segregação da ditadura controlada pela minoria branca.

O especialista mostrou que para construir milhões de casas, os sul-africanos reduziram o custo dos terrenos, procurando áreas fora das cidades. Levados a morar longe dos grandes centros, os pobres, negros de diferentes etnias, formaram guetos, distantes várias horas das áreas centrais das cidades. Perderam competitividade na disputa por emprego e suas famílias receberam educação, saúde e todos os serviços públicos de pior qualidade. O programa "teve o efeito paradoxal de aumentar a segregação", destacou Pieterse.

Os sul-africanos teriam evitado a catástrofe se estudassem os programas habitacionais do Brasil durante os governos militares. Ao conceber projetos gigânticos em áreas rurais como Itaquera, Guaianases, Cidade Tiradentes e Carapicuíba, levaram milhares de pessoas a morar em lugares onde faltava de um tudo. O preço mais barato da terra no curto prazo escondeu os custos adicionais com a criação de infraestrutura de educação, saúde, abastecimento e transportes.

Segundo cálculo feito por Ricardo Pereira Leite, ex-secretário municipal de Habitação de São Paulo, para o guia "Como Viver em São Paulo Sem Carro -- 2012", uma unidade habitacional em Cidade Tiradentes custou em 1985 o correspondente a R$ 80 mil; a mesma construção na área da av. Paulista teria custado R$ 135 mil.

Mas ao longo de 25 anos posteriores, o conjunto longínquo exigiu do poder público investimentos como um grande hospital e unidades de saúde, dois CEUs e outras escolas, um terminal de ônibus etc. O resultado é que cada apartamento popular no extremo da Zona Leste custou ao todo R$ 145 mil para os cofres públicos, mais do que se fosse localizado na área mais cara da cidade. E ainda assim deixou seus habitantes em péssimas condições.

Foi por repetir o mesmo erro que o arquiteto Jaime Lerner chamou o atual programa federal de habitação de "Minha casa, minha vida, meu fim de mundo", durante o Seminário de Mobilidade da Folha, na quarta-feira. O Minha Casa só financia unidades de até R$ 76 mil, insuficientes para comprar terrenos em áreas centrais de qualquer grande cidade do país, ainda mais em São Paulo. Por isso, os projetos financiados pela União estão espalhando pelo Brasil guetos isolados do tecido urbano e carentes de serviço público.

Como o governo de Mandela, o de Brasília também evitaria um monte de problemas se estudasse os males causados pela política habitacional do regime militar.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página