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Uma tragada antes da UTI

Após salvar colegas no incêndio do Memorial da América Latina, bombeiro ainda fumou um cigarro antes de se sentir mal e ser internado

FABRÍCIO LOBEL DE SÃO PAULO

Quando Marcelo de Araújo, 45, foi de moto até o hospital verificar o estado dos bombeiros feridos no incêndio do Memorial da América Latina não imaginou que acabaria na UTI com dois colegas salvos por ele.

Na última sexta, o soldado do Corpo de Bombeiros entrou no prédio projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em São Paulo, e retirou dois colegas feridos. Em seguida, fumou um cigarro, sem apresentar sintomas de intoxicação pela fumaça.

Araújo, há 20 anos na corporação, estava apenas com a farda e um amuleto quando entrou por uma vidraça estilhaçada do auditório em busca de dois bombeiros que não tinham voltado.

Os equipamentos e as roupas de combate ao fogo ficaram para trás porque o impediriam de passar pela estrutura de metal.

No meio da fumaça preta, viu o cabo Eduardo Roberto de Lima, 50 anos de idade e 28 de Corpo de Bombeiros, que Araújo chama de seu mentor na profissão.

Os dois já haviam trabalhado juntos em grandes operações como o soterramento da estação Pinheiros do metrô, em 2007, e o incêndio da favela do Moinho, em 2012.

"Ele estava [caído] de costas, com os olhos arregalados, sem o cilindro de oxigênio e dava apenas alguns espasmos", conta Araújo.

O soldado colocou uma máscara de oxigênio no colega e tentou reanimá-lo, aos gritos. Um bombeiro que ficou do lado de fora do prédio auxiliou na retirada da vítima, inconsciente.

Ao voltar para dentro do prédio, Araújo encontrou um amigo de infância, o cabo Oscar do Carmo, caído.

Os dois cresceram juntos na zona norte de São Paulo e, aos 12 anos, passaram a estudar na mesma escola. Após dez anos sem se ver, se reencontraram no primeiro dia da Escola de Bombeiros, quando descobriram que trabalhariam juntos.

"O Oscar estava pior do que o Roberto, quase não tinha sinal de vida", contou Araújo.

Ele arrastou o amigo até perto da saída. "Foi aí que apareceu um tenente. Ele entrou no prédio e me ajudou a levar o Oscar para fora. Eu já estava muito cansado e tinha respirado muita fumaça. Não sei se conseguiria."

Ao fim da operação, Araújo e o soldado Rodolfo Pavani, que também combateu o incêndio, dividiram um cigarro para aliviar o estresse.

Depois, os dois se ofereceram para verificar o estado dos colegas feridos --25 bombeiros foram encaminhados ao Hospital das Clínicas, que montou uma equipe especial de atendimento.

"Nós estávamos fisicamente bem. Subimos a Consolação dirigindo nossas motos com a sirene ligada, passando no meio dos carros."

No hospital, Pavani reclamou de dor na garganta, foi examinado por um médico e avisado de que estava à beira de uma parada respiratória. Foi sedado, entubado e levado à UTI.

Por precaução, os médicos decidiram examinar Araújo, que sentia tonturas. Encontraram excesso de monóxido de carbono no sangue e também o encaminharam à UTI, onde já estavam os outros colegas resgatados por ele.

Dos quatro, só Oscar permanecia ontem na UTI --apresentando melhora, segundo os Bombeiros.

Já em casa, Araújo, casado e pai de quatro filhos, classifica o combate ao incêndio no Memorial como perfeito e realizado por profissionais de longa experiência.

"Cada um tem que ter a sua fé. Eu tenho a minha e acho que naquela hora o meu santo me ajudou."


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