Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Cotidiano

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Antonio Prata

A tonga da mironga do Rod Stewart

Claro que, se eu recebo uma propaganda da 'caneta espiã' ou um 'Enlarge your penis', apago na hora

Abro o Outlook de manhã e vejo, embaixo e à esquerda, bem pequenininho, esse número assombroso: 2.975. Eis a quantidade de e-mails que se acumulam na minha "Caixa de entrada". Fosse uma caixa de verdade, dessas que os americanos colocam na frente de suas casas, já teria há muito estourado a portinhola, arrebentado as laterais e transformado a garagem numa montanha de envelopes, como nos antigos sorteios da televisão. Ainda fazem esses sorteios? Não sei, mas quando vejo o numerinho ali embaixo, me encarando -2.975!- é como se uma Quéops de celulose desabasse sobre a minha cabeça.

"Debaixo desta pirâmide, 3.000 recados me contemplam", eu diria, se os recados apenas me contemplassem, como os séculos a Napoleão, mas 3.000 mensagens são 3.000 pendências exigindo de mim uma atitude, 3.000 assuntos dos quais, pelas mais variadas razões, eu não consegui me desvencilhar nos últimos anos.

Claro que, se eu recebo uma propaganda da "caneta espiã", um "Enlarge your penis", um "Hi Madam my name is Zalouk I have 1.000.000 US dollar need your help send out Arabia", apago na hora. Há, porém, lixos mais insidiosos. Aquelas confirmações de pagamento de sites de venda, passagens aéreas, fatura de cartão de crédito, convites de festas. O livro chegou, a viagem foi feita, o cartão já foi pago, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, mas agora, José, as mensagens estão todas soterradas metros abaixo da data de hoje, nem me lembro que elas existem.

Se há e-mails que esqueci de

apagar, há também os que não quis perder. Esse aqui do Paulinho (5/3/2009, 18:31), por exemplo, chamando a mim e a alguns amigos para um almoço na casa dele, num domingo; as respostas trocadas pelos amigos, surrupiando três ou quatro minutos do trabalho, no meio da tarde; as mensagens na segunda-feira, cheias de piadas internas que já não fazem sentido. (Ao que parece, algo envolvendo "Tonga da Mironga" e "Rod Stewart" foi hilário, naquele domingo.)

Hoje de manhã, contudo, não sei se por ter dormido mal ou por ter dormido bem, me parece que dois mil novecentos e setenta e cinco e-mails na caixa de entrada é o tipo de bagunça que não se deve tolerar, como o óleo não trocado muito depois de passada a quilometragem, como panelas se acumulando no fundo da pia. Basta! Vou apagar recibos e e-tickets, boletos e convites, vou criar uma pasta "Amigos", uma pasta "Trabalhos" e, no fim, terei uma caixa de entrada vazia, branca, reluzindo a Pato Purific.

Começo a faxina inclemente, a tecla delete faminta como um pac-man, mas aos poucos o furor vai sendo aplacado por uma curiosidade arqueológica. Vou escavando através das camadas sedimentares e manuseando cada mensagem como se fosse uma ponta de flecha, uma pedra lascada. Que livro era esse? Onde me hospedei naquela viagem? Fui ou não fui àquela festa? Nessa toada, passo a manhã perdido entre anteontem e o neolítico, desenterrando ossadas de namoros e espanando caquinhos de amizades. Quando dou por mim, escurece e não apaguei quase nada: agora já são 3.017 as mensagens acumuladas e, além da frustração, ainda há o mistério a me pinicar: que piada tão engraçada era essa, juntando "Rod Stewart" e "Tonga da Mironga do Kabuletê"?


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página