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Raquel Rolnik

Um presente para São Paulo

O maior presente que São Paulo ganha vem de sua população: a ocupação e apropriação da cidade

Às vésperas de completar 460 anos, São Paulo ganhou dois presentes: o anúncio da reabertura do Cine Belas Artes e o decreto que autoriza a criação de um parque na rua Augusta.

Fechado há quase três anos, o Belas Artes finalmente será reaberto graças a um convênio firmado entre a Secretaria Municipal de Cultura e a Caixa, que viabilizará o cinema.

Isso só foi possível em função da mobilização liderada pelo Movimento pelo Belas Artes (MBA) e da atuação da prefeitura.

O caso do Parque Augusta, por sua vez, ainda está inconcluso. O decreto avança no sentido de sua criação, mas não o viabiliza, pois não torna a área automaticamente pública. Pagar R$ 100 milhões dos cofres públicos para desapropriá-la parece uma solução fácil para quem não pensa o conjunto da cidade.

Outros instrumentos podem viabilizar o parque. Por exemplo, os proprietários podem vender o potencial construtivo correspondente à área do parque para terrenos localizados em outras regiões da cidade e, em seguida, doar a área para o parque.

Esses dois casos têm em comum o conflito entre o interesse público em torno do uso de um imóvel e o interesse do proprietário que, evidentemente, busca utilizá-lo da forma mais lucrativa.

Porém, o uso mais lucrativo para o proprietário não é necessariamente o melhor uso pra cidade. E o imóvel, além de pertencer a seu dono, é um pedaço da cidade. Por isso a Constituição determina que a propriedade, pública ou privada, tem uma função social.

A área do Parque Augusta é uma das últimas áreas verdes de uma região bastante adensada e verticalizada. É absolutamente legítima a reivindicação de seu uso como parque.

No caso do Belas Artes, seu uso como cinema de rua faz parte do patrimônio afetivo de São Paulo, ou seja, é relevante como parte de seu tecido histórico-cultural para muitos cidadãos.

Infelizmente, as regras que definem hoje as funções sociais de cada imóvel da cidade, traduzidas nas leis de zoneamento e outras normas, não incorporam questões desse tipo.

Embora seja possível --e desejável-- que, sob a liderança da prefeitura, se encontrem soluções pontuais e negociadas para conflitos como esses, há um desafio mais amplo que é necessário enfrentar: como o marco regulatório da cidade trata desses temas?

Não dá mais pra continuarmos balizando o zoneamento da cidade somente em termos de verticalização sim ou não, comércio sim ou não, como se não houvesse outros valores implicados --históricos, culturais, afetivos, ambientais, sociais-- que também precisam ser levados em conta.

A solução encontrada para o Belas Artes foi acertada e esperamos o mesmo para o Parque Augusta. Mas não podemos depender eternamente da discricionariedade do prefeito de plantão. O momento de pensar as funções sociais de cada pedaço da cidade é agora, com a revisão em curso do Plano Diretor e zoneamento da cidade.

O Belas Artes de volta e, se concretizado, um parque na Augusta serão belos presentes para a cidade. Mas o maior presente que São Paulo ganha ao completar 460 anos vem de sua população: a ocupação e apropriação muito mais intensas da cidade, manifesta nestes e em outros movimentos.


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