Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Cotidiano

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Jairo Marques

Cadeira de rodas não é prisão

Uma cadeira confortável e prática pode colocar o brasileiro na sala de diretor, no altar, na maternidade

Elenque, rapidamente, umas dez palavras que remetam o seu pensamento a uma cadeira de rodas. Dor, revolta, doença, pena, tragédia, quebradura, fragilidade, dificuldade, exclusão e prisão são fortes candidatas a serem lembradas, imagino eu.

Realmente, caso a sua referên- cia seja aquilo que os bombeiros trazem esbaforidos para o departamento ao serem acionados porque a mocinha do financeiro teve um "quentão" --como se diz lá na minha terra quando alguém tem um mal súbito--, os termos fazem algum sentido.

Existem também aquelas cadeiras medonhas que aparecem na TV conduzindo velhos mal-humorados em casas de repouso e aquelas coisas entregues aos pobres às vésperas de eleição por políticos bonzinhos que o diabo gosta.

Mas, para um montão de gente, cadeira de rodas passa longe de ser esse objeto tão cheio de estigmas e com aspecto de peça do museu dos horrores. Passa longe de ser um poço de amarguras e de sensações depressivas. Passa longe de ser apenas uma forma de acondicionar gente para levar daqui para acolá.

O veículo usado por cadeirantes, que incorporam até sua condição ao objeto, faz a diferença para a continuidade da vida e conduz o povo quebrado para a construção de realizações quaisquer que se permita sonhar (com um mãozinha de inclusão, acessibilidade, sensibilidade, é claro).

A cadeira promove a liberdade, a independência, a autonomia e só aprisiona aqueles que mais valorizam aquilo que perderam do que acreditam naquilo que lhes restou.

A associação entre clausura e deficiência, tão disseminada pela mídia, é obtusa, é devastadora para a valorização do ser humano em sua integralidade, e não apenas em sua capacidade de dançar o "Tchan".

Por mais que parafernálias diversas estejam sendo testadas mundo afora, uma cadeira bacaninha, que respeite a anatomia dos corpos, que seja leve, confortável, bonitona e prática pode colocar o brasileiro no centro da pista de dança, na sala de diretor, no topo da montanha, no altar e na maternidade.

Muita gente acha que a vontade máxima de um cadeirante é ser picado por uma abelha e, num pirlimpimpim, ficar em pé, dar uns passinhos e gravar um vídeo para botar nas redes sociais fazendo inveja para os amigos não contemplados.

Embora isso seja factível, deficientes querem, racionalmente, é ter qualidade de vida com a condição que possuem, com todas suas "tortices", o que passa por um apoio de locomoção digno, funcional e viável economicamente.

No Brasil, os melhores aparelhos que garantem o ir e vir básico de milhares de pessoas são produzidos no exterior, custando valores que, como diria minha tia Filinha, "difinitivamente" são escorchantes. Modelos manuais valem até R$ 20 mil, os motorizados podem ser mais caros que meia dúzia de Variants amarelas, valendo até R$ 40 mil.

Não tenho orgulho de andar em uma cadeira de rodas, mas não me envergonho de precisar dela nem me apequeno por isso. A minha liberdade e a de milhares de outras pessoas com deficiência no país não passa pelo objeto que usamos para nos deslocar, mas pelas condições reais que a sociedade nos oferta para voar.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página